Otaviano Maciel de Alencar Filho
Fortaleza / CE

 

 

A justiça e os pecados capitais

 

           

O dia aprazado para a apresentação dos réus à justiça havia chegado.
Um por um, aos poucos, os réus foram adentrando o grande salão do tribunal onde seria realizada a audiência de julgamento. O público que assistia à sessão, desde cedo aguardava a presença de todos os envolvidos no processo em andamento há quase um milênio.
Os sete acusados sentaram-se em assentos situados no centro do grande salão reservados especialmente para esse momento especial. Em um dos lados do compartimento encontrava-se o promotor de justiça e no lado oposto o advogado de defesa. Também, no centro do recinto, um pouco mais adiante dos infelizes acusados, estava aquele que daria a sentença final, condenando-os ou absolvendo-os.
O Grande Juiz, tomando a palavra, dirigiu-se a todos os presentes, exclamando:
- Este é o grande dia, o dia em que será decido o futuro de todas as criaturas do mundo, portanto espero que acusação e defesa se pautem dentro dos princípios de harmonia e valores éticos impressos em suas consciências, respeitando-se mutuamente e igualmente os que aqui se encontram na condição de denunciados como tendo cometidos delitos tidos de alta relevância contra os costumes e a moral.
Instantes depois das considerações preliminares deu-se início os trabalhos, com a palavra sendo dada ao promotor de justiça, que apresentou formalmente os acusados:
- Excelência, esses que aqui se encontram: A gula, a avareza, a luxúria, a preguiça, a inveja, a ira e a soberba desde tempos remotos perturbam a ordem e a moral, conduzindo a humanidade para situações degradantes, levando muitos daqueles que sucumbem às suas investidas a perda da salvação eterna.
A defesa pediu a palavra e asseverou:
- Excelentíssimo juiz, a acusação desconhece ou furta-se ao conhecimento da natureza humana que se fundamenta na experimentação para a busca do conhecimento. Portanto, embora verossímil, carece de fundamentação jurídica os argumentos elencados nos autos do processo em favor da condenação dos acusados, de vez que a natureza e condições humanas e seus desdobramentos são fatos e não meras especulações filosóficas, ademais, onde a linha divisória entre vícios e virtudes? Acusam estes sete que aqui se encontram de subverterem a ordem e a natureza do homem. Pautam-se em classificação meramente humanas e controversas na busca de justiça. Dizem estarem eles classificados na ordem dos “pecados capitais” e, portanto, passíveis do sacramento da confissão, para serem eles perdoados pelos apelos ignóbeis ofertados à humanidade. Estes, acreditando estarem agindo segundo as conveniências humanas, e respeitando o direito à liberdade de escolhas não se veem como criminosos e negam-se a prestarem a confissão. Se, agindo de maneira “apaixonada”, a acusação procura estabelecer a ordem das coisas, por que os “pecados veniais” não são tão rigorosamente punidos, de vez que eles são os embriões dos ditos “pecados capitais”? Lembro, mais uma vez, que meus clientes não são da classificação “pecados mortais”. Insisto novamente em perguntar: onde se encontra a linha divisória entre os três tipos de vícios? Quem o culpado no caso do homem queimar-se no fogo? O fogo que não pensa, não tem vida própria ou o homem que age de forma insensata desdenhando o poder do fogo em ferir sua pele ou mesmo levá-lo a morte? Deve-se banir o fogo da existência humana?
Defesa e acusação travaram intenso debate por mais de setenta e duas horas até que o magistrado Maior pudesse se certificar da decisão a ser tomada. Embora já soubesse de antemão o desdobrar do julgamento do certame a decisão final refletiria, sobretudo, a justiça capital.
Tomando a palavra, o Supremo Juiz fez alguns esclarecimentos oportunos e sentenciou:
- Após analisar as argumentações e as provas apresentadas nos autos processuais devo tornar público a decisão tomada: Declaro que mesmo sendo dada a palavra para defesa osréus abdicaram da mesma, justificando estarem sendo representados no tribunal. Declaro, ainda, infundadas as argumentações que tornam culpados os réus, porém a não culpabilidade dos acusados não está completamente descartada. Sendo assim atrelo a punição dos réus à condição de condenação daqueles que se conluiarem com os mesmos na prática de atos contrários à dignidade humana. Esta sentença terá a validade de mil anos a partir da data de hoje. Tempo que julgo necessário para que o homem compreenda que ele é o artífice de sua felicidade ou infelicidade.
Bateu o martelo e deu por encerrada a sessão e consequentemente  o julgamento!

 

 

 
 
Poema publicado no livro "7 Pecados Capitais"- Edição Especial - Abril de 2017