Anchieta Alves de Santana
Uruçuí / PI

 

 

A dor de parir

 

           

           De quase tudo já aconteceu lá na povoação onde nasci e ainda vivem meus pais. Lá, numa das centenas de conversas que tive com meu avô José Delmiro, ele contou-me um caso quase trágico quase cômico. Mais cômico do que trágico.
          Dentre outros homens da região do povoado Sangue, existia um rapaz que atendia pela alcunha “Seí”. Este, um homem roceiro, sempre foi elogiado pelo que era: humilde, respeitador, sério, trabalhador, interativo, econômico (até demais, diziam alguns). Esse currículo o levou a ser bem disputado no povoado onde vivia. As moças não negavam elogios ao jeito pacato e sincero daquele humilde trabalhador. Ele, altura mediana, corpo atlético, olhos negros como pássaro preto que vivia cantando nos buritizais da região.  Mas entre tantas moças pretensiosas e pretendidas, o jovem Seí terminou tomando como namorada, depois esposa, a jovem Maria da Conceição, a Ceiça, da Tia Domícia. Casaram-se numa festa humilde, mas regada a muita comida interiorana e bebidas.  Destas, principalmente a “pela fato”. Foi uma grande alegria interiona. Os casais caíram num forró que saía da sanfona do Nonato Sanfoneiro. Este,  um músico muito conceituado na região. A sanfona só parou às sete horas da manhã seguinte. E depois, aqueles que ainda resistiam, foram “tirar a ressaca” no riacho que ficava a uma centena de metros. E lá, mais bebidas.
          No dia seguinte, os recém-casados foram à carpintaria do Domingos do Zé Preto e encomendaram, cobrando brevidade, cama, mesa, bancos e cadeiras. E naquele mesmo dia, em lua de mel para numa comunidade vizinha.
          E passou que passou. Maria da Conceição ficou gestante. Ficou gestante e foi cercada de cuidados. Transformou-se na mais bela e bem cuidada gestante da região. A sogra e vizinhas eram as pessoas que, atentas, acompanhavam o crescimento daquele novo ser humano. E assim, Maria da Conceição se cuidou e foi cuidada durante algum tempo. Seí, sempre que terminava seus afazeres diários, ia imediatamente pra sua residência. Ao chegar, abraçava e acariciava a mais nova gestante da localidade.
          Certo dia, Maria da Conceição sentiu dores. E pela avaliação das parteiras de plantão, era dor de parir. Uma dor sempre temida, mas à época, para certas condições sociais, era situação temerosa para as gestantes. Depois de aparecer a parteira mais experiente e não conseguir, de imediato, fazer o parto, foi recomendado que “um portador” fosse enviado à cidade para comprar, na Farmácia do Estrela, um medicamento que fosse capaz de facilitar o nascimento da criança. E assim, aconteceu. Seí selou seu cavalo marchador e seguiu rumo à cidade.
          Quando retornou, na madrugada do dia seguinte, o portador trouxe um tal de “oxitocina” que o farmacêutico, do alto de sua experiência, garantiu que era “mão na roda” para estimular as contrações. Era uma injeção potente. Ao chegar, o velho Delmar Veloso rapidamente preparou a aplicação do medicamento. Mas, antes de aplicar, a criança veio à luz. Nasceu sadia, cheia de saúde. E naquele momento a alegria foi intensa: uns choravam, outros, gritavam, alguns se banhavam em lágrimas.
          Seí, rapidamente, foi ao depósito de tralhas, pegou o bacamarte que estava reservado e apontando para o céu, disparou um tiro ensurdecedor que ecoou em toda a vereda daquela localidade. Aquilo era um aviso de alegria: sinal do nascimento de um filho.
           Como a injeção já estava preparada e o menino havia nascido, só restava um destino: o lixo. Mas, não, alguém sentiu pena em desperdiçar um medicamento conseguido a muito custo. Esse alguém era o velho vaqueiro Manoel Sibério. Ele, do alto de sua ingenuidade, disse:
         - Não, não pratiquem tamanho desperdício. Isso custou dinheiro. Apliquem essa injeção em mim. Pode ser que sirva para alguma coisa, alguma inflamação escondida ou algo parecido. E assim foi feita a vontade do vaqueiro da Fazenda Brejo.
           Não demorou muito Seu Sibério começou a sentir algumas reações. O velho começou a se espremer, se contorcer num larídeo crescente. Mais tarde, parecia urrar com tanta dor. Ele se encolhia, se contorcia; vez por outra chegava a ”pedir penico”. Até que, a custo de chás e outras beberagens, conseguiram anular o efeito da tal injeção. E partir de então, o velho Manoel Sibério nunca mais quis saber de medicamento injetável.  Preferia uma semana inteira com dor de dente a sentir dor de parir outra vez. Às vezes, a criançada brincava:
          - Seu Sibério, e a dor do parto?
          O velho fungava e saía muito emburrado.

 

 

 

 
 
Poema publicado no livro "7 Pecados Capitais"- Edição Especial - Abril de 2017