Maria Rita de Miranda
São Sebastião do Paraíso / MG

 

 

Xodó

 

         

     

           A calmaria reinava em nossa sala de atendimento. Desde ontem não aparecia pacientes para ser examinados. Estávamos no último ano de veterinária e praticávamos o que nos esperava depois de formados. Conversávamos animados com as previsões do que seriam as nossas vidas depois dos anos de faculdade.
          Já nos preparávamos para o almoço quando a campainha tocou. Fui atender e fiquei frente a uma senhora muito elegante e educada que trazia, nos braços, o seu cãozinho. Disse a ela que entrasse na sala onde estavam meus companheiros.
          - Em que posso ajudá-la? Perguntei. –Algum problema com o cachorro?
          Ela colocou o animal no chão e pudemos ver o quanto ele estava desanimado. Um poodle branquinho e manso. Aproximei-me e, indiferente, o cãozinho deixou ser acariciado.
          - Já faz alguns dias que o Xodó está desanimado. Não quer comer, fica sempre imóvel, às vezes, uivando baixinho.
          Examinamos o cãozinho. Depois de algumas apalpadelas sentimos um pequeno caroço em sua virilha. Provavelmente câncer.
          - Ele terá de ser operado senhora. Precisamos remover o caroço para depois submetê-lo ao tratamento adequado.
          - Façam o que for preciso, mas salvem o Xodó.
          Ela se foi, pois dissemos que ligaríamos assim que a cirurgia terminasse. Podia levar algum tempo.
          Tomamos um lanche ali por perto e voltamos para tratar o Xodó. Fizemos a anestesia  e sem tardar iniciamos o procedimento. Retiramos o câncer, percebendo que já estava um tanto avançado. Tudo correu bem. Ficamos um pouco por ali esperando que o cachorro acordasse.
          Depois de algum tempo fomos vê-lo. Continuava imóvel. Ficamos preocupados, pois o efeito da anestesia já devia ter passado. Mais um tempo. O cachorro nada de acordar. Resolvi examiná-lo e constatei apavorado que Xodó tinha morrido. Alguma coisa deu errado.
          Nós nos alarmamos. Como dar a notícia à dona? A mulher recomendara para salvar o cachorrinho.
          Foi aí que um dos colegas teve uma brilhante ideia e nós a aceitamos.
          Telefonamos para a elegante senhora e dissemos que ela podia pegar o Xodó. Logo ela chegou bem feliz. Colocamos o cãozinho na cestinha que ela trouxera e lhe demos as recomendações.
          - O Xodó está dormindo. A senhora precisa ter um cuidado todo especial. Leve-o para casa e, por favor, não deixe o carro dar nenhuma  pancada, porque o Xodó não pode sofrer impacto. Para ele isso pode ser fatal. Poderá até morrer. A senhora nos traga o cãozinho daqui a uma semana para reavaliarmos a situação.
          A mulher agradeceu e se foi. Ficamos olhando um para o outro já pensando como seria o final daquela história. Não demorou muito a resposta.
          Depois de mais ou menos uma hora ela nos ligou toda chorosa.
          - Doutor, para desviar de um cachorro que atravessava a rua, dexei meu carro cair num buraco. O solavanco foi forte. Cheguei a casa e logo peguei o Xodó. Ele não aguentou... Está morto!
          Não é que plano deu certo?

 

 
 
Poema publicado no livro "7 Pecados Capitais"- Edição Especial - Abril de 2017