José Faria Nunes
Caçu / GO
Uns, outros e o poeta
Ao poeta cabe a sensibilidade
e a percepção das divindades
para ler a dor das lágrimas sutis
e a vergonha indigente, marginália
de uma sociedade cega, afogada
no fausto do ter.
Quisera o poeta ter a magia
do poder de acordar tantos quantos
pouco ou nada percebem
que a transitoriedade do fausto poder
há de cobrar, aqui ou alhures,
o preço tributado com o devido ágio
pelos excessos ensandecidos do poder.
Ao poeta cabe a sensibilidade
e a percepção das divindades
para ler a dor das lágrimas sutis
daqueles que voltam ao solo,
daqueles que seguem para o além, para os "céus"
sem deixar a marca de uma lápide
no cimo de uma urna, tributo
da assistência social,
que deposita o esquife de quem
em vida pouco ou nenhum regalo
viveu, e que só agora a paz democrática
de uma tumba ao natural da terra
sem mármore, sem granito.
A paz perene ainda que póstuma
no abrigo de desconsolados tijolos
encimados por laje de concreto cru.
Resguardo por decreto da exigência sanitária.
Tivesse o poeta a sensibilidade
e a percepção das divindades
em seu caminhar ante o requinte
de jazigos, poderia atestar maior glória
e poder, de argúcia e volúpia
de quem, em seu domínio,
expectativa de um todo e sempre,
viveu da maior glória e poder
no acúmulo do domínio de ter mais
e mais, e mais. E o poeta, no entremeio
de jazigos, mais de vivos que de potestade
sem vida, poderia ler a solidão de faustos
ataúdes – contraste – de seres outros
cuja existência pouco ou nenhum regalo viveu.
Que lugar há de caber ao poeta? Terá ele
a clarividência de sua trajetória
ante tudo e depois de tudo?