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Maria Rita de Miranda
São Sebastião do Paraíso / MG

 

Vida anterior


Meu nome é... Vamos deixar de lado o nome e dizer apenas o apelido: Blanda. Morri há muito tempo, quando quase ainda não existiam carros e usávamos como transporte o lombo dos cavalos. Vivi uma vida intensa para a época, um pouco incomum para os preconceituosos e meu casamento saiu de um conto de fadas.
Quando jovem o meu emprego foi o de Coletor. Saía de minha cidadezinha e cavalgava pelos arredores visitando fazendas e sítios a serviço da Coletoria. Nesta vida errante, conheci os mais diversos tipos de pessoas. Criei laços com algumas e gastava meu tempo de descanso com conversas fiadas que duravam até à madrugada. Assim de lugar em lugar, com a influência de diferentes personalidades e comportamentos fui me lapidando. Tornei-me conhecedor, ainda que amador, das diversidades, das influências, dos paradigmas e paradoxos, enfim de tudo o que a vida nos oferece para que possamos sair, na medida do possível, ilesos a tantas cobranças que somos acometidos pelo simples fato de viver.
Eu era considerado uma pessoa simpática e fazia o possível para assim proceder.
Durante este tempo, percebi em mim mesmo alguma coisa que até então não sabia o que era, mas que me diferenciava das pessoas com as quais eu convivia. Às vezes me pegava observando alguém e naturalmente podia saber se era ou não um bom caráter. Outras vezes tinha pequenas visões do futuro, que por mais que eu não desse importância, me intrigavam. Tinha noite que eu me comunicava com pessoas já falecidas. Na manhã seguinte, não sabia se fora sonho ou realidade. Enfim aflorava em mim uma mediunidade que só mais tarde pude desenvolver.
Vamos agora ao meu estranho casamento. Naquela época quase todas as fazendas tinham uma “venda” onde encontrávamos de tudo um pouco. Produtos alimentícios, de higiene e até algumas lembrancinhas do local.
Nas visitas rurais parei certa vez numa destas vendas. Tinha naquela época mais ou menos vinte e cinco anos de idade. Conversando animadamente com o dono do estabelecimento, fiquei sabendo que sua esposa dera à luz uma menina. Insinuei curiosidade de vê-la. O Senhor João levou-me até o quarto da casa. Dona Ana me apresentou a filha e eu peguei aquele bebezinho nos braços. Era miúda, mas toda rolicinha com as bochechas rosadas. Espantei comigo mesmo ao dizer à dona Ana:
- Que menina bonita! Daqui a uns quinze anos voltarei e me casarei com ela.
O casal não deu importância ao que falei. Apenas riram, tomando aquilo como um elogio.
Os anos se passaram. Já nem me lembrava dessa promessa feita de maneira tão inusitada.
Depois de exatos quinze anos, tive que retornar àquela propriedade. A venda continuava ali como a me lembrar do passado, da promessa, do bebezinho rosado. Parecia que eu estava em outra época e que o tempo estava estagnado.
Foi então que a vi. Júlia nos seus quinze anos. Moça feita, bonita, tímida. Olhou-me primeiro de relance. Depois fixou o olhar em mim. Diante daqueles olhos inquisidores que eu não cansava de fitar, me veio a certeza de que era com aquela moça, que eu mal conhecia , que me casaria. Eu não tinha dúvida.
Depois de conversas infindas com seus pais que fizeram questão de recordar o passado, pedi-a, num ímpeto, em casamento.
Até hoje estranho como eles aceitaram a proposta, visto que eu já estava com quase quarenta anos. Naquela época as moças se casavam cedo mesmo, muitas vezes sem conhecimento prévio do noivo. Acho que viram em mim o porto seguro para a filha.
O fato é que meses depois estávamos casados. Levei para a cidade uma garota ingênua, muito católica, contrastando com a minha religião espírita que eu adotara com o aprofundamento de minha mediunidade.
Logo Júlia teve o primeiro bebê. Um menino que na verdade foi criado pelos avós, tamanha era a dificuldade que ela apresentava em cuidar da criança.
Aos poucos, Júlia foi demonstrando ou adquirindo, não sei bem, um gênio muito forte. Desacostumado com aquilo, passamos a ter muitas discussões e divergências, principalmente pelo fato dela não me aceitar espírita, muito menos médium e me comunicar com os mortos.
Tivemos ainda mais cinco filhos: três homens e duas mulheres. Só não aumentamos mais ainda a prole porque Júlia teve uma menopausa precoce, logo depois do nascimento do último bebê. Nesta época, teve uma hemorragia que não se estancava por nada. Achávamos que estava muito doente. Tomou vários remédios sem sucesso.
Um dia, para meu espanto, Júlia disse:
-Prepare-me um de seus elixires.
Antes que pudesse questioná-la, baixou em mim uma entidade e eu psicografei um texto que dizia que Júlia não estava doente, era apenas uma crise da menopausa e ditou-me a fórmula do remédio que ela deveria tomar.
Mandei para um boticário, dessa vez com certa resistência, mas a fórmula era perfeita e foi manipulada. Com este remédio Júlia se curou.
Alguns anos depois adoeci e fiz o meu passamento.
De onde estou pude por vezes presenciar a vida de Júlia, ainda nova, cuidando dos filhos, exigente com tudo, mas vencendo na vida depois de muita luta.
Quando envelheceu passou a morar, a cada época do ano, na casa dos filhos. Eu não conseguia saber se ela gostava desta vida errante. Acabou por ficar completamente esclerosada, falecendo na casa de uma filhas.
Hoje, todos os nossos filhos já fizeram o passamento. Uns tiveram a vida mais fácil, outros se foram depois de muita luta.
Voltei à terra para iniciar outro ciclo de vida e foi assim que me deu uma vontade imensa, consciente ou não, de relatar minha existência passada.




   
Publicado no livro "Os mais belos Contos de Amor" - Edição Especial - Outubro de 2014