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José Luiz da Luz
Ponta Grossa / PR

 

Lição de Guarda Velha

No tempo dos primeiros imigrantes do interior do Paraná, mais precisamente na região de Guarda Velha, atualmente Ipiranga, vivia num casebre um ancião misterioso. Homem de olhar forte que arrepiava, embora suas palavras fossem calmas e sábias, muitos o chamavam de filósofo, outros de mago. Filho de uma indígena caingangue com um imigrante alquimista se distinguia pela maneira peculiar de ensinar, mesclando mistérios indígenas com alquimistas, muitas vezes propondo experiências delicadas e dolorosas. As pessoas o procuravam para pedir orações, conselhos, outras para meditar.

Numa ocasião um malfeitor abriu-lhe o coração, dizendo que sua vida era uma torrente de infelicidade. Sempre se vingava de tudo o que lhe dava certo alívio, mas depois vinham outros ódios e mais vinganças, até que sua mente se transformou numa eterna oficina de vinganças. Em meio àquela loucura, pediu que lhe ensinasse o que era perdão.

O sábio sabia que estava diante de uma pessoa perigosa, mas para ele nada era arriscado, nem complicado. Percebeu que aquele homem não aprenderia com conselhos, seria necessário que vivenciasse uma experiência dolorida. Ordenou que o acompanhasse numa escalada de uma montanha, levando na mão esquerda um travesseiro de penas de ganso para passar a noite, e na direita um ovo de galinha. O sábio apenas levou uma manta.

- Por que estas coisas estranhas? - perguntou o malfeitor.

- Não são estranhas, todos conhecem travesseiros e ovos - respondeu o sábio.

O sábio o guiava pela mata densa, embora muito mais velho tinha passos firmes, mas malfeitor mais jovem escorregava a todo instante, pois o cuidado com o ovo e o travesseiro estava difícil. Depois de algumas horas aquele travesseiro parecia ter um peso insuportável, por ter que carregar somente com a mão esquerda, seu braço inteiro estava amortecido.

Numa certa altura o malfeitor caiu exausto arranhado por um nhapindá, sentou-se e suspirou. O mestre virou-se e disse:

- É apenas um travesseiro, não pesa quase nada. Avante!...

O malfeitor pensou: “Que raios de sábio é esse? Deveria saber que quando segurarmos um objeto na mesma mão por muito tempo, mesmo que seja pequeno e leve, causa fadiga nos músculos dando a impressão de ter um peso maior.”
Logo chegaram a uma clareira pedregosa e o sábio advertiu que naquele instante começaria a lição do perdão:

- Guarda Velho é um local especial – disse o sábio - cheia de riquezas, basta olhar a sua volta.

A ambição do malfeitor se excitou, viu no chão algumas rochas douradas e gritou: “É ouro” E encheu os bolsos com frenesi. O sábio asseverou:

- Estas pedras são da terra, devem ficar aqui. Mas, você tem livre arbítrio, se quer carregar algumas terá que cumprir uma condição:

- Farei qualquer coisa – o malfeitor respondeu.

- Faça um rasgo no travesseiro, jogue as penas para usar o tecido como um saco. Cada pedra que guardar deverá pensar em um ódio específico: pelo vizinho, irmão, chefe, etc. Assim, cada pedra estará carregada com um tipo de ódio. Concentre-se, não deixe nenhum de fora, assim estará com seu travesseiro cheio de ódios.

O malfeitor tratou de lembrar-se de todos os ódios escondidos, pois o que importava eram as riquezas.

A subida teria que continuar, mas o peso do travesseiro aumentou drasticamente. Enquanto era de penas, o malfeitor blasfemava, mas quando encheu de pedras se esforçava sem reclamar. Nem que esmorecesse, descansaria um pouco, mas não desistiria. Se alguém perguntar do ovo da mão direita, é fácil entender que se quebrou no primeiro desequilíbrio pelo excesso de peso.

Enfim, chegaram ao topo, a noite chegou e prepararam lugar para dormir debaixo de uma árvore. O sábio dobrou a manta para usar como travesseiro, o malfeitor reclamou:

- Meu travesseiro está duro. O senhor poderia rasgar sua manta pela metade, assim faríamos dois travesseiros.

- Não é justo - disse o sábio. - Cada um prepara o seu lugar para por a cabeça, você preparou um travesseiro cheio de ódios.

- São ouros - corrigiu o malfeitor.

- Seus ódios são suas riquezas, agora recline a cabeça sobre o seu travesseiro, terá que suportar todas as dores, esta é a condição.

O sono dele foi de pesadelos, a dureza do travesseiro ardia na cabeça. Mas não queria desistir, ali estava sua riqueza.

Nem raiou o dia, o sábio iniciou a viagem de volta.

- Você não me ensinou nada - disse o malfeitor. - Só me fez carregar um travesseiro de penas e um ovo inútil. A sorte foi ter achado as pedras impregnadas de ouro, fora isso tudo foi em vão.

- Ensinei sim, mas você parece que não aprendeu nada – respondeu o sábio. - Estou desde o começo tentando ensinar como se deve cuidar da vida.
- E como lidar com ela?
- Como você deveria ter cuidado do ovo - respondeu o mestre. - O ovo representa a vida. Quando se tem muito ódio para cuidar, a vida fica descuidada, sua vida se quebrou como aquele ovo. O travesseiro de penas representa seus pensamentos enquanto eram puros, mas com o tempo as pessoas acham que tudo o que é puro é cansativo, transgredir é mais divertido e acabam trocando pelo que é impuro,

porém com o tempo sofrerão com o peso.

O malfeitor ficou pensativo, o sábio esperou um pouco, em seguida continuou:

- Lembra do ouro? Onde há ódio não há ouro, aquelas pedras são piritas, o ouro dos tolos. O ódio causa um prazer mentiroso, assim como você sentiu uma sensação enganosa com o ouro falso, achando que estava rico. Sua cabeça doeu no travesseiro cheio de ódios, representa que sua alma está cheia de ódio.

Depois de ouvir, o malfeitor partiu com lágrimas silenciosas nos olhos. O sábio sorriu satisfeito. Sabia que conseguiu cumprir a missão:

“Este homem verdadeiramente aprendeu.”

 

   
Publicado no livro "Os mais belos Contos de Amor" - Edição Especial - Outubro de 2014