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Raimundo Senzala
Aracaju / SE

 

João das andorinhas

O resquício do Brasil colonial continua não se furtando em dar continuidade aos caprichos da insidiosa escravatura até os dias de hoje. Ainda se vê pessoas na era contemporânea vivenciando atrocidades através do processo escravista com suas visões comprometidas com um passado funesto.
Ainda tem gente que não acordou para a realidade da vida que está vivendo. Tem muito mais pessoas que se acham com o direito de sentar-se à mesa ou gabinete como se estivesse na intenção de não contribuir com os seus comandados as obrigações das benesses do dia a dia administrativo, cujo tratamento se tem notícia que permeia ações brutalmente catalizadoras e por que não dizer castradoras. Tais ações, quando vão de encontro a seres humanos portadores de gentilezas, fazem com que se construam opiniões desconcertantes quando as mesmas se batem por ignorâncias. Existem pessoas que estão sempre prontas para se pautarem por tais atitudes. Nem sempre a brutalidade convém ao modo hiperbóreo no expressar da fala daquele que se faz ouvir. Também se faz brutalidade em tom sussurrante. Na maioria das vezes, uma advertência veladamente exposta, pode deixar qualquer indivíduo desconcertado.
O caso de João das Andorinhas, nos dá um grande exemplo do quanto a admoestação pode causar no ser humano mazelas de maneira brutal chegando ao ponto de levar o ser humano à beira da neutralidade, como se o mesmo não aportasse em sua vida nenhuma condição – espiritual que seja -, no enfrentamento ou defesa do que lhe produziu excessiva timidez.
João das Andorinhas era uma daquelas pessoas que mais estava para criatura de que para um ser “humano”, com as possibilidade, de reagir a qualquer ato insuflado por alguém, por um olhar indiscreto ou por ordenada censura.
João das Andorinhas era uma pessoa que andava nas nuvens, assim dizia aquela gente sedenta de risos dos percalços alheios. Realmente, ele andava de deu em deu sem poder dormir. Ninguém sabia qual seria o seu fim. Ninguém poderia prever o que o destino lhe reservou no passado. Quando por questões de vida efêmera alguém sucumbia à morte, João era convidado a tomar o lugar das carpideiras para chorar um choro que não se podia ignorar como lamento.
Sabe-se que o mesmo gostava muito de imitar o chilrear das andorinhas. Principalmente, no inverno; pôr mais rigoroso que ele fosse. De vez em quando, ao cair da tarde, ele se acocorava no sopé da igreja para contemplar o retorno das mesmas à busca dos refúgios noturnos.
Todos que por necessidade passavam por perto deste nosso personagem sempre tinham algo a lhe dizer. Ele pacientemente ouvia-os com aquele olhar de complacência. Poucos prediziam a sua origem. Alguns diziam que o mesmo houvera nascido em Alexandria, porém, outros teimavam em afirmar que ele era oriundo das terras do sem fim, porquê nem ele mesmo sabia do seu passado. Talvez, até por imaginação popular acreditavam sê-lo possuidor de segredos e subterfúgios dignos de evidências.
O certo mesmo é que alguém falava que ele fora açoitado em sua terra natal e que por séculos e séculos velejava de mundo a mundos até chegar nas terras brasileiras. Mas teve gente que, também, dizia que ele nestas bandas chegou atrelado e atarantado nas proas das naves sem rumos depois de sofrer os castigos dos mares revoltos.
Dizem também, que quando ele se decidia postar-se diante do mar, a sua tristeza aflorava até as reflexões. Suas fossas nasais congestionavam diante das maresias: era como não se pudesse respirar e o mar revolto lhe levava ao estado de cruel pavor.
Certamente ele se reportava às lembranças das agruras sofridas pelos açoites das ondas dos violentos mares no cumprimento dos castigos impostos pelos colonizadores de outrora.
Certa feita uma trupe de gente cigana, por insistência de pessoas interessadas em saber de seu passado implorou ao mesmo, para que deixassem ler a sua mão.
A surpresa da leitura em suas traçadas mãos revelava um soberano de grandioso passado na alta nobreza no reino Malê e, que por descuido do mal uso do livre arbítrio fora banido por figuras totêmicas para terras longínquas. Mas o baralho cigano alertava que para o bem de todos melhor seria deixa-lo em paz, no estado do qual ele se achava. Que de ninguém, postulasse alcançar os seus pensamentos. Foram tantos os açoites... Foram demais as brasas que ele teve de pisotear quando em terras alheias nas fogueiras dos desatinos religiosos.
Das marteladas em seus brancos dentes; que respondam as senhoras donas de engenhos do período colonial. Foram tantas as invejas com as quais corajosamente ele teve que conviver que, o mesmo se imaginava nada ser ante seu Deus cosmológico. Vez em quando para aqueles transeuntes, que por curiosidade, ao passarem diante do mesmo ao verem sentado na postura de um nobre ser, surpreendentemente, se maravilhavam sem jamais entender o brilho que dele emanava a sua aura.
As crianças em suas inocências, curiosamente olhavam-lhes de tais modos absortas em suas imaginações infantis, andando em passos trôpegos, como se estivessem a ler em suas mentes, quem ali estava na figura de João das Andorinhas de um passado sublime.
Houve uma daquelas crianças que largando das mãos de seu genitor colheu num jardim um miosótis e ofertou-lhe como presente. João, agradecido, transformou milagrosamente o pequeno miosótis numa coroa de flores silvestres e de imediato saiu do seu lugar levitando, cantando para todos contemplar o seu voo magnífico de volta ao seu trono que um dia, lhe usurparam.
Ao som de uma banda celestial sua ascensão aos planos cosmológicos era acompanhada por todos os pássaros das mais variadas linhagens, tendo no comando destes, as andorinhas anunciando em seus chilreares sonoros agradecimentos. À noite no firmamento de longe se via um aglomerado de cores luminosas dando a impressão de eterna aurora boreal ou de um planeta real.


   
Publicado no livro "Os mais belos Contos de Amor" - Edição Especial - Outubro de 2014