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Caroline Kalil Nogueira
Franca / SP

 

A luz dos olhos teus

Tinha os olhos frementes no céu quando a luz se apagou. Era uma noite linda, tão linda quanto a que nos conhecemos.
Lembro-me como se fosse ontem. Tinha um enxame de estrelas no manto da noite, um cortejo que nos iluminava o caminho piscando ao redor da lua radiante. Seus olhos fitos nos meus pareciam cansados e tristes. O casamento andava mal, dizia. Eu era recém-divorciada na época, por isso nunca vou saber se aquelas palavras foram verdadeiras ou apenas mais uma cantada de garanhão que quer uma nova amante. Bonito como estava, nem precisava do flerte.
A primeira vez que o vi rasgar um sorriso largo parecia um menino de olhos marotos, e com tamanha ternura que me deixou cheia de safadeza. Mas apenas conversamos durante todo aquele tempo, pois eu não poderia me dispor tão facilmente assim. Os homens gostam de pensar que conquistaram alguma coisa. Deve ser o espírito capitalista deles ou o fetiche de se estar possuindo a mulher desejada. Enfim, seja qual for o motivo, é sempre bom dificultar. E eu dificultei bastante naquela primeira vez, tanto que quando pediu meu telefone pensei que não me ligaria como prometido.
Só que ele cumpriu com a palavra.
“Não vou enrolar” – disse – “te acho muito bonito e estou mor afim de você.” Eu tinha toda uma estratégia em mente. Marcaríamos um encontro na estradinha do café, então daria um malho nele e depois iria embora, deixando-o muito, mas muito bravo. Com certeza, o bonitinho me ligaria no dia seguinte e eu poderia fazer charme até o final da semana para que, assim, quando chegássemos aos finalmentes, eu teria aumentado a chance dele me procurar de novo. A velha tática de facilitar não facilitando. Homem odeia mulher que esnoba, e sabe ler muito bem nas entrelinhas. É só deixar as migalhas pelo caminho que eles vêm correndo.
“Você me achou bonito, é? Verdade, mesmo?” – de novo o jeitinho maroto, irresistível.
“Achei, sim. Te achei muito bonito. Aliás, eu estava doida pra te dar um beijo ontem, mas tinha muita gente por perto”, respondi.
“Você é que é muito bonita. Podia até ser rainha do rodeio, se quisesse.”
“Ah, olha a lorota... rainha do rodeio? Acha...” – a cantada foi fraca, mas massageou o meu ego.
“Claro que podia! Quando você sorri, brilha mais que a lua.” – e foi dessa forma que o garoto maroto e poético acabou por conseguir um passe comigo para o paraíso.
O amor tem dessas histórias que começam como um passatempo, uma brincadeira, e quando a gente se dá conta do ocorrido, não quer viver mais sem o outro. Desde então, jamais tivemos um dia sequer de nossas vidas sem nos ver, tampouco nenhuma noite separados, como essa em que seus olhos despontaram frementes para o céu com o brilho de quem se apaixona por um estranho de repente. As estrelas e a lua cheia, feito barriga de gestante, iluminavam nossas mãos unidas, os dedos entrelaçados uns nos outros para as alegrias e tristezas com as quais nos comprometemos pelo resto de nossas vidas.
Fitou-me saudoso.
“Você não sabia nem cozinhar, minha veia.”
Não aguentei. Tive de rir. Como não lembrar uma coisa daquelas? Na primeira semana do casamento consegui incendiar um hambúrguer dentro da frigideira com óleo de girassol. Nunca mais comprei aquilo. Era combustível isso, sim.
“Seu sorriso ainda é mais bonito que a lua lá fora”, observou. Enternecida, sorri feito uma adolescente abobada de amores. Foi então que senti seus dedos apertando os meus. Coloquei as mãos carinhosamente sobre sua face perturbada. Seu olhar invadiu minha alma num grito de saudade precoce. O coração dele partiu. Meu amor cambaleou até a cadeira próxima à janela. O restante da história, o leitor já sabe. Seus olhos estavam frementes no céu quando a luz se apagou.


   
Publicado no livro "Os mais belos Contos de Amor" - Edição Especial - Outubro de 2014