Rozelene
Furtado de Lima
Teresópolis / RJ
Amor objeto
Primeiro trabalho de Lico. Que alegria! Alguém
indicou para ele uma loja na capital que consignava roupas masculinas
para venda. E Lico entusiasmado foi à cidade grande com
o amigo. Encantou-se com a capital, com as belezas, viu o mar
pela primeira vez. Extasiou-se. O mar e sua imensidão.
O ruído do mar nunca saiu dos seus ouvidos junto com as
gaivotas sobrevoavam a sua mente e a dança das ondas na
areia. Sentia-se como se tivesse ido a outro planeta. Tudo tão
diferente, tão diferente! As pessoas na praia, a alegria,
a liberdade, a areia. Meu Deus, todos teriam que vir aqui nem
que fosse por uma única vez!
Lico e o amigo foram até a loja, escolheram as peças
para revenda e cada um seguiu o seu caminho. Em uma semana ele
tinha vendido tudo, menos uma camisa. Ela era feita de malha de
seda, com listras fininhas nas cores azul escuro esmaecido, azul
mais claro e cinza. Foi amor à primeira vista. Ela era
a peça mais cara. Ficou com ela. Em ocasiões muito
especiais vestia aquela camisa. Só ele sabia a energia
que emanava da peça. Quando ela tocava seu corpo vinham
todas as sensações da primeira vez diante do mar,
dava a ele um poder extraordinário, ela transformava-o.
Ela sabia como envolver seu corpo, tocar sua pele numa extrema
maciez. Ele sentia o carinho do envolvimento dela no seu peito.
Quem nunca teve um amor especial por uma peça de roupa,
que às vezes nem serve mais, nem usa mais e é impossível
desfazer-se dela? Assim era o amor de Lico por aquela camisa.
Amor é um sentimento indescritível, seja por que
for ou por quem for. Nada pode explicar o amor, nada pode apagar,
nem mesmo o tempo com suas modificações. O amor
não é cego como dizem, só quem ama tem olhos
na alma.
Certo dia... Ele pediu à esposa que arrumasse um álbum
de fotografias dos jantares, que acontecia todos os anos, em comemoração
à formatura de 2ºgrau. Ele tinha uma máquina
e vivia fotografando tudo. Numa época que ter uma máquina
fotográfica era declaração de status. Depois
do álbum pronto, Mary observou que em todos os anos de
jantar comemorativo ele usava a mesma camisa. As fotos não
mentem. Ela saiu, comprou uma linda camisa para Lico.
Arrumando-se para ir ao jantar ele perguntou: - Onde está
aquela camisa de listras finas? Ela responde: - Use a camisa nova
que eu comprei para você, já estamos atrasados. Ele
não encontrou a querida camisa e foi com a camisa nova
com a sensação de traição.
Tempos depois, quando estavam terminando a reforma da casa, contrataram
uma firma para colocar calhas no telhado. Foi um empregado medir
e fazer o orçamento do trabalho. Assim que viu o empregado
Lico ficou surpreso, respiração ofegante e não
conseguia falar. Lico entrou em casa meio cambaleante chamando
a mulher: - Cadê minha camisa de seda fininha? – Por
que isso agora? Ela perguntou – Ele reponde: - Ninguém
pode ter uma camisa igualzinha a minha e o rapaz está usando
minha camisa. Ele falava como alguém que encontra mais
de trinta anos, um grande amor.
Ela meio nervosa respondeu: - Você não falou que
eu podia pegar umas roupas suas para enviar para o bazar de caridade
da Igreja, deve ter sido lá que ele comprou.
O rapaz entregou o orçamento, e Lico perguntou em tom decisivo?
– Quanto você quer pela camisa, rapaz?
|
|
|
|
|