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Larissa Nascimento Sátiro
Arapiraca / AL

 

Como plantar um amor

       Uma tarde clara de verão se despedia daquele dia quente; uma brisa não tão suave começava a soprar e o mar quebrava firme e intensamente suas ondas na praia. A ilha estava vazia; quase todos tinham partido depois das festas de fim de ano. Cercada de água por todos os lados, aquela porção de terra seria o palco para um encontro inesperado de pés apressados e cansados - que pisavam com a força necessária para conter os impulsos da vida que insistia em querer guiá-los - com algo que eles ainda não saberiam reconhecer. Pois que não nasceria naquele encontro, mas seria apenas plantado em meio às rochas íngremes que sustentavam sentimentos sufocados por experiências de outros tempos.
       Porém seguiam os pés. Ligeiros, impávidos, firmes, duros... Tanto que eles eram todos os sentidos. E não mais havia olfato ou paladar. E os olhos eram incapazes de enxergar um outro olhar que lhes mirava ao longe. Mais cem metros e... não. Ainda não. Apenas um par de olhos solitários, buscando um encontro que não aconteceu. Um sussurro que não foi ouvido. Uma súplica sem réplica. Mas aqueles olhos indecisos resolveram perseguir os pés cada vez mais velozes que compactavam a areia e afundavam na tentativa de continuar. Um tanto quanto intimidados os olhos quase fugiam enquanto perguntavam algo que não importa agora... E o dono daquele olhar foi fitado por olhos duros, avaliadores, mas que, no entanto, foram incapazes de fugir ao encantamento que vislumbrar um outro foi capaz de lhes causar.
       E um desafinado e incipiente “sim” nasceu daquele encantamento. E finalmente o encontro se deu. Um coração disparado arrancava sorrisos tímidos e amarelos de uma boca que desaprendera as doçuras das breves alegrias. Filhos, trabalho, infância, futuro, passado e finalmente estavam ali, presentes. Um com o outro. Mesmo que por um breve momento. E como se não fosse nada, sutilmente um laço uniu aquelas duas almas durante aquela caminhada que se estendeu por um breve infinito, que talvez não tenha se findado ainda hoje. O sol ia finalmente se pondo e os dois trocaram um beijo desajeitado, tímido, delicado, real. Pra ele foi como receber um carinho. Pra ela como uma sombra de algo que temia. E se sentaram na areia. E se fitaram ainda sem muitas palavras prontas para serem ditas. Num daqueles momentos em que dizer algo pode impedir o ouvir de um silêncio que tem tanto a dizer. Ele tímido, ela desconfiada... O sol estava indo embora e ela precisava ir também. Não podia ficar. Não era mais uma adolescente. Não podia se permitir esquecer do tempo. Ele a deteve por mais uns breves segundos e ela lhe deixou um telefone na areia, que imaginou, seria apagado pelas ondas e esquecido por aqueles olhos que insistiam em roubar-lhe a consciência da realidade.
       Mas ele não foi embora. Ficou ali. Fitando aqueles números. Decorando aquela combinação que poderia abrir uma porta para algo desconhecido que naquele momento lhe parecia inevitavelmente sedutor. Ela dormiu pensando nele. E o esqueceu em meio à realidade do seu despertar. Muitas tarefas a cumprir, a maioria delas inventadas só para não ter tempo de pensar ou sentir, e as horas passavam depressa. De repente um som rasgou o silêncio daquela manhã. Ela atendeu o celular e ao ouvir a voz do outro lado sentiu o tempo parar. Sentiu-se gelada. Teve medo e desligou num impulso. Por um lapso de tempo que pareceu uma eternidade até se arrependeu por não ter ouvido o que aquela voz desejava lhe falar. Mas depois voltou às boas com sua condição já internalizada de impávida muralha. Se sentia protegida por aqueles muros que criara. Mas não estava.
       A tarde vinha chegando e mais uma vez partiu para sua caminhada solitária. E qual não foi a sua surpresa ao perceber que aqueles olhos ainda estavam lá. Esperando por um número escrito na areia por uma desconhecida novidade, que não se perdeu entre tantos outros. E eis que foi colocada lá. Não lançada, mas colocada com carinho num lugar impossível, inviável... Nesses lugares onde o amor costuma dar. Uma semente em estado de dormência. Podia ficar ali pra sempre, mas também podia ser que chovesse. Que as rochas tivessem enfim algum solo sobre aquela dureza. E que um dia germinasse. E o que aconteceu depois pode ter sido qualquer coisa. Amor, lembrança, sopro, tempestade... O certo é que aquele espaço aberto no infinito entre duas vidas, fez a vida toda valer a pena naquele pedaço de tempo que vai estar sempre lá.

 
 
Poema publicado no livro "Os mais belos Contos de Amor" - Outubro de 2016