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Ediloy A. C. Ferraro
São Paulo / SP

 

Simbiose

 

Enquanto vestia as meias, aparvalhado sempre por nunca achar os pares certos, melhor sair com um de cada cor, a calça encobriria, não seria visível. O relógio no pulso, feito um juiz severo, a cobrá-lo pela negligência e atraso. Sabia como seria a reação, o rosto contrafeito, o silêncio mordaz, acusatório, a falar mais que as palavras eventualmente proferidas. Andariam lado a lado, em constrangedor silêncio, numa muda punição.
Aos poucos teceram aquela teia enervante. Como ele trabalhava meio período, a apanhava à porta do prédio do serviço dela, para tal, contudo, ou saia para o encontro com  tempo ou precisaria contar com condução, ônibus ou metrô. Conheceram-se na faculdade, primeiro ano na mesma sala, no estágio básico, depois cada qual em sua opção de carreira. A convivência gerou o namoro, os sorrisos dela, o seu jeito encantador de menina, pele morena e o corpo mignon, o seduziram.
Brincalhão, certo dia pediu desculpas pelas brincadeiras mais ousadas com ela, pensando em respeitá-la como alguém compromissada que sabia   ter  um namorado, embora nunca os tivesse visto juntos. E ouviu a confissão, ela também adorava a presença e os jeitos dele, estava iniciada, oficialmente, a relação. Do outro nada mais soube.
Jovens,  primeiranistas de faculdade, dividiam lanches, andavam a pé, enamorados, esperando o ônibus, Não sem antes falarem enes vezes ao telefone durante o dia. Coisas triviais, detalhes, amenidades de namoro.
O que o afligia, contudo, era o ter se distanciado de tudo e de todos, respiravam unicamente o mesmo ar, pareciam serem únicos, dois em um.
Aquelas correrias para buscá-la, acompanhá-la, viverem um para o outro, com todos os finais de semana grudados, na casa dela. Começou a cansá-los, sobretudo a ele, pela imposição de buscá-la, cumprindo horários, no que não primava pela pontualidade, azedando a convivência.
Aquele encanto inicial o estava escravizando, o mantinha cativo, distante de qualquer relação com amigos, sufocava. Sentia-se cada vez menos ele mesmo, sem privacidades. Em verdade já não existia rotinas que não se entrelaçassem, não se sabendo o que era de quem, dele ou dela. Eram personagens únicos de uma mesma história, onde o mundo funcionava como pano de fundo, coadjuvante.

Os passo dela, eram também os dele, confundiam-se.  O “eu” dele, imerso nela, sufocados. Seus dias, os dela,  Sem vida social, ilhados em seu universo restrito, onde qualquer possibilidade de intromissão era risco à intimidade. Ambos viviam uma bolha perigosa, desgastante, perdendo as relações sociais com os demais, afastados naturalmente do casal.
Um dia, ele resolveu, finalmente, verbalizar o que sentia, queria um tempo, não o fim do relacionamento, apenas um espaço para si mesmo. Continuariam juntos, sim, mas com mais independência de lado a lado.
Foi ouvido sem reprimendas, no silêncio dela o inescrutável de suas deduções, as piores possíveis, deduziu depois.
Os olhos dela, negros e graúdos, encheram-se de reprimidas lágrimas, parecia que pedia o fim do relacionamento e não apenas uma moderação na convivência, o que seria salutar a ambos. Não conseguia entender que a razão nem sempre  caminha na mesma via da emoção.
Alguns dias depois, falando sempre ao telefone, mas vendo-se  mais espaçadamente, resolveu procurá-la na casa de seus pais, à noite, sem encontrá-la, era  sábado. Acolhido pela mãe da moça, já bastante familiarizada com ele, conviva de tantos  finais de semana. Acabou dormindo lá, pois a espera pretextada ficou tarde e a condução rareava. Permanecia o coração acelerado e enciumado. Aquilo não estava em seus planos, o sair sozinha, chegando altas horas, estaria, afinal, com quem ?
Iniciava-se o suplício das dúvidas. Resolveram que teriam tempo cada um para si, mas experimentava do seu próprio veneno. Ela parecia que rapidamente reconstruíra sua rede de amizades, não faltando programas e diversões. Quanto a ele, distante dos poucos amigos, não estava conseguindo reatar  os laços, arrefecidos na distância e no menosprezo anterior. Embora mais aliviado do compromisso de buscá-la e acompanhá-la, exigindo ser pontual e atencioso, não esperava vê-la livre, leve e solta.
E mais, parecia que a distância dele para ela, fizera muito bem...a ela. Aquilo não passava despercebido, irradiava-se no semblante mais vivo, intenso, alegre, transbordando energias naquele rosto tão querido.
Buscou a tranqüilidade, encontrou o inferno. Nenhuma noite mais  pacífica, a sobressaltá-lo as dúvidas, os ciúmes. Quisera a liberdade, encontrou a prisão. Sentia-a  dependente dele, não o inverso, a justificar o seu pedido de distanciamento provisório.
Aquelas lágrimas derramadas, reprimidas, sentidas nas faces dela diante ao seu pedido, cresciam, o inundavam de remorsos, a asfixiá-lo na lembrança. Embora não tivesse, nunca, a intenção de romper a relação, precisando, unicamente, de um espaço para si mesmo.
Não tardou a notícia, não sem antes experimentar angústias e pesadelos, emagrecia a olhos vistos, chorava amiúde. O que temia ocorreu. Apareceu  um outro príncipe, solícito e disponível, para aquele coração alforriado de compromisso.
Diante a si restava o desafio de libertar-se, aleijando-se, mas necessário amputá-la de seu Ser, vencer a si mesmo suas resistências, conter a autopiedade que o assolava levando-o ao desespero. Estava infinitamente só, como nunca supusera ser possível.
Reaprender a caminhar com os próprios passos, não a quatro pernas, unicamente as suas, recompondo-se, buscando encontrar-se consigo mesmo e trilhar novos caminhos, sozinho. Tal era o custo da amarga lição pela liberdade.

     

 
 
Poema publicado no livro "Os mais belos Contos de Amor" - Outubro de 2016