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Rozelene Furtado de Lima
Teresópolis / RJ

Por que você me deixou?

 

Leilane tinha seus quinze anos, vivia numa cidade praiana. Uma praia que apesar de suas belezas era pouco conhecida, pouco visitava. Adolescente, com corpo de mulher que parecia feito à mão, esculpido nos mínimos detalhes. Quando ela chegava à areia e começava a despir-se lentamente, dobrando peça por peça e ficar somente com o micro biquíni, a natureza aplaudia, as ondas ficavam frenéticas, o sol iluminava todo aquele corpinho delicado, o vento vinha audaciosamente beijar cada parte por mais escondida que estivesse. Leilane esticava a esteira, abria o guarda sol e de pé passava o creme bronzeador na pele levemente amorenada pelas poucas idas à praia. Quando terminou todo o ritual e sentou-se, alguém aproximando perguntou: - Posso passar o creme nas suas costas? Ela olhou e um jovem atlético estava de pé ao seu lado. Ela sorriu sem responder.  Ele sentou-se na areia ao lado dela. Nesse momento passou um vendedor de picolé e ele pediu; - dois de chocolate. Ela aceitou perguntando: - Como sabe que eu só gosto de picolé de chocolate?  A conversa começou e continuou o domingo inteiro. Dava a impressão que eles eram velhos amigos. Uma semana depois, no domingo seguinte no mesmo lugar onde tinham se conhecido, ele esperava por ela com um picolé de chocolate.  Leilane aceitou o picolé, e assim foi durante mais ou menos uns três meses.  Cada um só sabia o nome do outro, nenhum detalhe a mais que fosse pessoal, nem endereço, nem celular. Não que tivessem combinado, mas a conversava discorria entre assuntos diversos e interessantes aos dois.
       Até que um dia ele convidou-a para conhecer uma praia distante daquela. Depois de uns quarenta minutos de estrada, ele estacionou, andaram mais uns vinte minutos caminhando e chegaram a uma praia paradisíaca. Era um lugar belíssimo! Água azul, ondas calmas, gaivotas pescando, garças brancas e lindas reunidas a um canto entre outras aves marinhas, coqueiros que se curvavam soprados pelo vento em homenagem àquela paisagem que parecia ainda não ter sido descoberta.  A primeira vez é sempre rodeada de mistérios e sensações inusitadas, de pare e siga, igual o vai e vem do movimento das ondas do mar e o passear das nuvens. Bom como sabor picolé de chocolate. Os dois e as aves como testemunhas. No final da tarde chegaram de volta à praia de onde tinham saído, aproveitaram um tempo nas águas mornas e mais um picolé de chocolate. Como sempre, se despediam e cada um seguia o seu caminho. Nunca combinavam nada. Acontecia. E o resto do dia foi como sempre, a única coisa de diferente daquele domingo é que descobriram que se amavam apaixonadamente.
      Dois dias após ao último encontro, o pai de Leilane sofreu um acidente de carro e ela perdeu  o pai e a mãe. Ficou sozinha no mundo. Ela passou um mês em estado de desespero e nem pensou de ir à praia. A seguir foi morar com uns tios em outro estado distante. Eram os únicos parentes. Só lembrou-se de Leno o amado, quando passou mal, foi ao médico e constatou que estava grávida.
       Depois de longa viagem chegou à cidade em que passou a infância, na esperança de encontrar Leno e contar para ele da gravidez, mas foi em vão ele não estava lá. Ela não sabia nada sobre ele, nem ele sabia nada sobre ela. Voltou desanimada.
       Com o apoio e carinho dos tios nasceram os filhos gêmeos, como não tinha conhecimento se Leno era apelido ou nome real, batizou os meninos de Leonardo e Leandro. Vivia somente para os filhinhos, eles eram gêmeos idênticos e a “cara” do pai. Detalhe que só ela sabia. Os filhos foram o alento, o motivo, a alegria para ela suportar a perda dos pais.
       O tempo passou, o vento soprou, o sol nasceu e morreu durante quinze anos, quando em um verão ela resolveu viajar com os rapazes para o lugar onde vivera um grande amor.  A emoção era grande, o mar estava em ressaca e Leandro, o mais afoito, atirou-se às ondas. Quando viu que o irmão estava correndo risco de morte, Leonardo atirou-se as águas para salvar o irmão. Ela começou a gritar, pedindo socorro. Vieram dois salva-vidas e conseguiram tirar os dois rapazes do mar, já quase afogados. Fizeram os primeiros socorros, eles puseram para fora toda água engolida. Depois de passar o susto e de os gêmeos estarem fora de perigo, ela e os salva-vidas se entreolharam para compreender o que estava acontecendo: um dos salvadores aparentava mais idade do que os gêmeos, mas tinha o rosto exatamente igual ao deles. Nesse ínterim passou um vendedor de picolé e os quatro pediram ao mesmo tempo: - chocolate. Ele entendeu e perguntou: - Você é Leilane? E ela completou: - E você, é o Leno?
       Quanto maior a tempestade mais longe as águas caminham e é preciso outra tempestade para as águas encontrarem o caminho da nascente.
        Leno fala: - Procurei você durante um ano, voltei a esta praia quase todos os dias, andei pelas ruas, pelas praças, por todos os lugares possíveis, não encontrei você.  Não tinha uma foto para mostrar as pessoas, não tinha nada sobre você.  Chorei muitas noites. Nunca mais voltei aqui. Tive alguns relacionamentos, mas não quis me casar, não consegui esquecer você. Há um mês, resolvi passar o verão aqui. Como estou de férias me inscrevi como salva-vidas. Ela contou a parte da história dela e comentou que não contou a ninguém o romance deles e que não deixou de amá-lo.  Os meninos não tiveram dúvidas, estavam diante do pai.
       A felicidade é atemporal, por isso, para ela os fatos são contínuos, ela não reconhece calendário nem passado.  É para sempre. Dia e noite é uma questão de luz e sombra, de sol e lua. Somos as estrelas que creem que só brilham na escuridão e em razão disso temem a luz.
      Passaram a lua de mel numa ilha na Grécia e levaram os gêmeos.

 

 
 
Poema publicado no livro "Os mais belos Contos de Amor" - Outubro de 2016