NESTA EDIÇÃO:
Dolores Duran
Poesia para o coração

Edição nº 33 - 15 de Abril de 2014

Fonte de referência de Literatura Brasileira para Novos Autores
Dolores Duran
 

Dolores Duran
Rio de Janeiro/RJ, 7/6/1930 - Rio de Janeiro/RJ, 24/10/1959

A cantora e poeta que legou à música popular brasileira sucessos como A Noite do Meu Bem, Por Causa de Você e Castigo, entre outras canções, foi uma mulher muito à frente de seu tempo. Mesmo tendo cursado apenas o então curso primário, a carioca Adiléia Silva da Rocha – o verdadeiro nome da cantora – era bem informada, culta, politizada e autodidata em idiomas.

Nasceu em uma vila na rua do Propósito, no bairro da Saúde, centro do Rio de Janeiro, onde morou por alguns anos. Teve uma infância pobre e não conheceu o pai biológico. Mudou-se para um cortiço no bairro da Piedade, subúrbio carioca, com a mãe, o padrasto e as meia-irmãs Denise, Solange e Leila. Desde criança gostava de cantar e sonhava em ser cantora famosa. Aos oito anos de idade contrai a febre reumática, que quase a levou à morte, e que deixou como sequela um sopro cardíaco gravíssimo.

A vida curta e intensa da estrela que morreu de um enfarte aos 29 anos, no auge da carreira, foi contada no livro Dolores Duran: A Noite e as Canções de Uma Mulher Fascinante, do jornalista e pesquisador musical Rodrigo Faour. A biografia, além de esmiuçar as desventuras amorosas, o comportamento boêmio e os problemas pessoais da cantora, traça também um painel do Rio de Janeiro e do Brasil na década de 1950.

Foram mais de 70 entrevistados, entre os que conviveram com a artista, admiradores e nomes da música que contribuíram para imortalizar a obra de Dolores que, apesar de reduzida, teve cerca de 850 regravações até hoje. “Mergulhei fundo para conseguir entrevistar o máximo de pessoas possíveis e recorrer a todo tipo de fonte disponível dos que haviam privado com ela, mas já não estavam mais entre nós”, disse Faour.

Produtor, entre 2009 e 2010, de uma caixa de oito CDs com as músicas compostas ou apenas interpretadas por Dolores Duran, Faour, teve nesse trabalho a inspiração para escrever a biografia. “Antes, eu achava a Dolores basicamente uma grande compositora e letrista, que tinha também algumas boas gravações como cantora. Desde que comecei a colher os depoimentos para a caixa de CDs, isso mudou”, ressaltou.

Em sua imersão na vida da artista, o autor fez várias descobertas. “Ela era intelectual, lia os grandes pensadores, escritores e poetas estrangeiros, alguns no idioma original. Era também politizada – chegou a ser simpatizante do PCB”, revelou. O bom gosto na escolha do repertório, muito acima da maioria dos intérpretes da década, também chamaram a atenção de Faour. “Não é pouco para alguém que morreu de enfarte aos 29 anos”, disse.

Autora de canções e letras em que o amor é cantado muitas vezes de forma triste e melancólica, Dolores Duran foi uma mulher divertida, irônica e namoradeira, que vivia intensamente a noite carioca. Segundo Faour, ela sabia que tinha um problema congênito no coração e pressentia que sua vida não seria longa.

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Na madrugada de 23 de outubro de 1959, depois de um show na boate Little Club, a cantora saiu com amigos para uma festa no Clube da Aeronáutica. Ao sair da festa, resolveram 'esticar' no Kit Club. A cantora chegou em casa às sete da manhã. Ao dirigir-se para seu quarto, disse à empregada: "Não me acorde, estou muito cansada. Vou dormir até morrer." De fato, faleceu ainda naquela manhã, enquanto dormia. Suspeita-se que havia abusado de barbitúricos e de bebida alcoólica. Depois de sua morte, a amiga e cantora Marisa Gata Mansa entregou alguns de seus versos para serem musicados por Ribamar. O compositor Carlos Lyra fez músicas sobre versos inéditos deixados por ela.

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"A noite do meu bem" e outros poemas musicados
 

 

A Noite do Meu Bem

Hoje eu quero a rosa mais linda que houver
E a primeira estrela que vier
Para enfeitar a noite do meu bem
Hoje eu quero paz de criança dormindo
E abandono de flores se abrindo
Para enfeitar a noite do meu bem
Quero a alegria de um barco voltando
Quero ternura de irmãos se encontrando
Para enfeitar a noite do meu bem
Ah, eu quero o amor, o amor mais profundo
Eu quero toda beleza do mundo
Para enfeitar a noite do meu bem
Quero a alegria de um barco voltando
Quero ternura de mãos se encontrando
Para enfeitar a noite do meu bem
Ah, como este bem demorou a chegar
Eu já nem sei se terei no olhar
Toda pureza ternura que eu quero lhe dar


Castigo

A gente briga, diz tanta coisa que não quer dizer
Briga pensando que não vai sofrer
Que não faz mal se tudo terminar
Um belo dia a gente entende que ficou sozinha
Vem a vontade de chorar baixinho
Vem o desejo triste de voltar
Você se lembra, foi isso mesmo que se deu comigo
Eu tive orgulho e tenho por castigo
A vida inteira pra me arrepender
Se eu soubesse
Naquele dia o que sei agora
Eu não seria esse ser que chora
Eu não teria perdido você
Se eu soubesse
Naquele dia o que sei agora
Eu não seria essa mulher que chora
Eu não teria perdido você

Por Causa de Você

Ah, você está vendo só
Do jeito que eu fiquei e que tudo ficou
Uma tristeza tão grande
Nas coisas mais simples que você tocou
A nossa casa, querido
Já estava acostumada guardando você
As flores na janela
Sorriam, cantavam por causa de você
Olhe, meu bem
Nunca mais nos deixe, por favor
Somos a vida, o sonho
Nós somos o amor
Entre, meu bem, por favor
Não deixe o mundo mau
Lhe levar outra vez
Me abrace simplesmente
Não fale, não lembre
Não chore, meu bem

Fim de Caso

Eu desconfio que o nosso caso está na hora de acabar
Há um adeus em cada gesto, em cada olhar
Mas nós não temos nem coragem de falar
Nós já tivemos a nossa fase de carinho apaixonado
De fazer versos, de viver sempre abraçados
Naquela base do só vou se você for
Mas, de repente, fomos ficando cada dia mais sozinhos
Embora juntos cada qual tem seu caminho
E já não temos nem vontade de brigar
Tenho pensado, e Deus permita que eu esteja errada
Mas eu estou, eu estou desconfiada
Que o nosso caso está na hora de acabar.


Ternura Antiga

Ai, a rua escura, o vento frio
Esta saudade, este vazio
Esta vontade de chorar
Ai, tua distância tão amiga
Esta ternura tão antiga
E o desencanto de esperar
Sim, eu não te amo porque quero
Ah, se eu pudesse esqueceria
Vivo, e vivo só porque te espero
Ai, esta amargura, esta agonia

 

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