Rozelene Furtado de Lima
Teresópolis / RJ

 

 

Sonhar é perigoso

 


    Cremilda estava se sentindo feliz porque acertou as seis dezenas da Mega sena. O prêmio ficou dividido entre três ganhadores de Estados diferentes, mesmo assim foi muita grana.  
      Cremilda era uma pessoa tranquila, trabalhava em casa como costureira, isto é, fazia pequenos consertos, dava bainhas, pregava botões, entre outros. Esse trabalho ajudava para comprar algumas coisas que faltava para os cinco filhos pequenos. O marido trabalhava de pedreiro, as necessidades da família eram do tamanho do que ganhavam.  Os dois tinham temperamento tranquilo: comiam o que tinham, dormiam bem, educavam as crianças na aceitação da vida. O casal achava que tinham o que tinham direito, nada mais nada menos, o justo.  
      Bem no fundo Cremilda queria mais, mas não tinha coragem de expor seus sentimentos. Que iram pensar dela quando soubessem que ela tinha grandes sonhos, enormes sonhos, sonhos audaciosos, sonhos lindos, sonhos criados na mente, alimentados na alma e realizados com o coração. Quando tinha um tempinho livre, sozinha ela se entregava aos sonhos e sentia como se fosse tudo verdade, curtia, sorria alimentando aqueles sonhos e eles cresciam como fermento.
      Certa vez quando foi entregar uma costura, a cliente ficou tão satisfeita com o serviço realizado que pagou o dobro do que ela cobrou. Muito agradecida saiu pensando que poderia comprar um sonho. Entrou na lotérica, fez um jogo, o primeiro e o último da vida dela. Parou, pensou e marcou os números que vieram à cabeça. E foi para casa curtindo e imaginando o que faria com o prêmio. Não sentiu culpa de ter gasto o dinheiro, afinal foi um bônus que ela fez por merecer.
      No caminho até a casa ela foi se sentindo milionária, parou numa vitrine de uma imobiliária e escolheu uma casa do jeitinho dos sonhos.  Entrou e indagou quanto custava a casa, o corretor que a atendeu perguntou a ela até quanto era o valor da casa que ela queria comprar, ao que ela respondeu: - do valor dessa casa. É muito cara, eu tenho umas casinhas bem mais em conta. Amanhã passo por aqui com meu marido para irmos vê-la, respondeu Cremilda. O corretor sorriu e ela continuou o seu caminho.
      No dia seguinte ao entregar outra costura, resolveu passar pela lotérica e pegar o resultado do concurso. A jovem que a atendeu comentou: - tem um ganhador que jogou aqui. O coração da Cremilda começou a bater desesperadamente. Chegando a casa foi conferir, teve um choro convulsivo, conferiu novamente, reconferiu e as lágrimas não paravam de rolar, ela tentou respirar fundo, mas não conseguia deter as lágrimas que cascateavam pela face. Ela  agradeceu em voz alta, os sonhos audaciosos estariam realizados. Sentou e sonhou mais, mais e muito mais. Hora de pegar os filhos na escola. O marido chegou cansado. Ela abraçou o marido e começou o choro convulsivo, não conseguia parar de chorar. Fez o jantar, as crianças foram dormir. E ela contou ao marido o que tinha acontecido. Então, os dois soluçavam.  O que é que vamos fazer agora? Mal sabemos ler, nossos amigos são iguais a nós, não sabemos nada da vida e somos felizes com o que temos, falou o marido assustado. Nenhum dos dois conseguiu dormir. Vou continuar trabalhando mais uns dias, até encontrarmos alguém de confiança que possa nos ajudar.  Até lá não vamos contar para ninguém. Combinaram assim e seguiram com a rotina. Tudo que é em grande quantidade dá medo, até o vento que é invisível.
     Novamente na noite seguinte não conseguiram dormir, mal comiam. Ele continuava com o mesmo pensamento: - ninguém se incomoda com a gente, com muito dinheiro vamos correr perigo, os ladrões vão sequestrar nossos filhos, roubar nossa casa, nossas coisas. O dinheiro assusta. Ela só fazia chorar, chorar. Estava tão abatida que a vizinha perguntou se ela estava doente ou com algum problema sério. O marido quase perdeu o emprego porque andava distraído e fazendo o trabalho de qualquer maneira
     Depois de uma semana entraram num acordo, rasgaram o bilhete e voltaram a viver em paz. E Cremilda deixou de sonhar. 


  



Contos "Casos de Amor"
Novembro de 2022

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