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Teresa Cristina Cerqueira de Sousa
Piracuruca / PI

 

A borboleta que dormiu demais

 

 

Juliana era uma lagarta gorda, assim um pouco barrigudinha e em matéria de comida, já havia provado de tudo. O local onde estava era um jardim tropical onde toda manhã procurava por folhas verdes e novas para comer. Gostava dos brotos, que eram então as folhinhas jovens bem macias no olho dos galhos.
Muitas vezes, quando se alimentava, vinha-lhe a ideia de que seu corpo estava mais e mais cansado, desde o movimento das pernas até os olhos pequenos e os braços, que se mexiam como se ela fosse leve – coisa que agora Juliana fazia quase que unicamente para pegar alimento. Nisso está a razão de Juliana ter se deitado no chão ao pé de umas flores e ter adormecido por dias.
Após umas horas que isso se sucedera, quase no fim do dia, uma flor disse:
— Acho que essa lagarta vai dormir por semanas!
Outra também falou, como se tivesse que explicar para as pequeninas flores da metamorfose das lagartas:
— Vejam que todas nós somos testemunhas de que a lagarta Juliana estava velha e pesada.
A essa altura da conversa, todas as flores murmuravam entre si: “Acho que ela vai dormir demais!”.
Uma pequenina flor cor-de-rosa vivo já notava as semelhanças entre as cores de umas borboletas que pousavam em suas pétalas e nas da lagarta Juliana. Essas borboletas tinham nas asas uns tons laranja brilhante e manchas pretas, como a imitar o corpo da lagarta adormecida. A florzinha racionalizou, então, que Juliana iria se transformar em uma bela borboleta laranja de tons pretos.  
O local era calmo, sem muita umidade ou calor do sol. Nem pensar em sentir frio ou de ter um vento seco para queimar as pétalas das flores. Tratava-se de um jardim com árvores altas por cima, como se fosse um teto natural – um desses lugares em que a natureza seleciona para a vida acontecer mais abundantemente. Assim se passou uma semana, num farfalhar de galhos e de conversas entre as flores.
— Como essa borboleta está demorando a sair do casulo! Parece presa a ele! — Ponderou uma flor certo dia.
Todas as flores ergueram as pétalas, substituindo o olhar de alegria por um de preocupação.
— Vejam! — gritou a florzinha rosada.
Foi quando se viu uma borboleta de asas penduradas para baixo. Ela acordou desorientada, com movimentos pesados e lentos. Suas asas abriram-se, uns instantes depois ela quis ficar de pé, e se levantou, com um cansaço como se fora de inseto velho.
— Ui... que estou com vontade de voar, mas minhas forças são tão poucas! — falou Juliana.
A borboleta ergueu o corpo com cautela, pois tinha dificuldades em se erguer. Os joelhos doíam pelo esforço e tinha uma aparência de quem a idade fosse avançada. Porém, uma vez de pé, olhou em volta e sorriu largamente.
As flores que estavam observando-a sorriram de volta. E mesmo que tenham percebido que ela não era uma borboleta como as outras, nada disseram. Pois, segundo a visão das flores, Juliana nascera era uma borboleta vovó. Seus gestos e seu aspecto eram característicos de uma borboleta que já houvesse vivido uma semana ou mais... talvez um mês.
— Eu estou com muita fome! — articulou Juliana. — Vocês podem me dar um pouco de pólen?
— Claro! Aproxime-se de minhas pétalas! — disse uma flor de cor vistosa.
A borboleta iniciou seu processo de alimentação e mais aproximação teve das flores. Percebia-se que estas pensavam longamente por estarem com muitos instantes de silêncio. Todavia, mal conseguiam ficar sem olhar para Juliana. As pétalas davam feição de querer ver a borboleta se alimentar; como se houvesse um vento arrastando-as, institivamente, naquela direção. E todas foram se dirigindo para lá.
— Juliana! Juliana! Ah, Juliana! Queremos lhe disser algo! — Ouviu-se em coro suas vozes.
A borboleta estacou.
— Você é muito especial! Nasceu como uma vovó! — Murmuraram num sopro manso, com precisão afirmativa nos olhares.
A borboleta não se espantou. Ficou com uma demonstração de quem recebe um presente e rodopiou de asas abertas. O arrastar de seus pés formou um círculo e foi o bastante para suas asas se moverem mais rápido, sentindo-se que ela iria voar naquele momento! E havia um tom agradável e feliz em sua voz quando ponderou:
— Por isso eu desconfiei de tanto sono que senti no tempo em que estava no casulo! — e Juliana sorria no jardim.
Havia um ar de curiosidade e de deslumbramento entre as flores. Não lhes passara pela cabeça que uma borboleta ficasse exultante de alegria por nascer com uma aparência envelhecida. E no jardim, todos se regozijaram por Juliana.  E falaram que a vida é boa, mesmo que se soubesse que na natureza a existência das borboletas dependesse de muitos fatores e de cada espécie. E elas, as flores, tinham um imenso jardim e muitas borboletas para alimentar, tal como a vida determina.
Era uma manhã de sol fraco e pouco calor por baixo das árvores, e o jardim era repleto de sons; ao tempo em que Juliana dizia de modo particular:
— Obrigada por me confirmarem que sou uma borboleta vovó! Ora, quantas borboletas vivem para isso? Sim, eu sou muito especial!
Houve quem duvidasse dessa compreensão no existir; porém, a partir daquela manhã risos e voos de rodopios foram o que mais se ouviu da admirável borboleta Juliana. Isso até que o dia que ela partiu; e, depois que o vento a levou, houve lágrimas por várias manhãs na grama do jardim e nas pétalas das flores... Foi quando o chão ficou coberto de lagartas...  E que as flores souberam que era tempo de a vida recomeçar novamente.

 

 
 
Conto publicado no "Livro de Ouro do Conto Brasileiro" - Novembro de 2016