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Ediloy A. C. Ferraro
São Paulo / SP

 

O sapo e a Lua

 

Desde girino se diferenciava dos irmãos, dado a meditações, a fitar o aparente nada; nada para quem o observava, não penetrando seu íntimo inquisidor em solilóquios.

Pouco se interessava para os hábitos costumeiros e próprios aos de sua faixa etária e espécie. Mantinha-se em atitude solitária, mostrando-se antissocial e pouco comunicativo, a preocupar a mãe sapa. O que haveria de ser daquele pequeno, tão jovem e já aparentando seriedade, distanciando-se dos demais ?

Nada sabia da vida, de seus perigos, a convivência em grupo era atitude de autodefesa, em qualquer ameaça seriam todos alertados, o isolamento um risco preocupante, presa fácil para os predadores a espreitarem o pântano em que habitavam. Para os anfíbios atingir a fase adulta era uma conquista, desde de seu nascimento como ovo, até a fase intermediária em que se encontrava, havia de se ter cuidados com os inimigos, vários, a sondarem seu habitat em busca de caças.  Assim cresceu e foi se transformando em um animal adulto, apesar de arredio ao convívio social, considerado um chato pelos demais, parecendo fechado em si mesmo, observando tudo, mas alheio aparentemente.

Em suas incursões pessoais percorria com a mente outros mundos, dando asas a sua vertiginosa imaginação. Admirava os pássaros a pousarem sobre as plantas para saciarem a sede e descansarem, entoando seus cantos sonoros, como deveria ser bom ter asas e poder ascender aos céus ! – suspirava olhando para si mesmo, atado ao solo úmido, com seu coaxar sempre igual, e sem melodia digna de registros.

Observava as outras espécies comparando as qualidades de cada qual, inconformado com as limitações de sua família,rotina aborrecida aquela !  Um viver limitado, as passadas, em saltos, a esticar a língua para capturar insetos a servirem de alimento, a viver oculto entre os arbustos à beira do rio.

Um mundo deslumbrante se descortinava em suas opacas retinas, a observar, atento, os movimentos ao redor. Acompanhou a lagarta num galho seco de árvore, aos poucos  envolta  em um casulo, até o desabrochar de uma falena, com suas asas coloridas... Um rastejante Ser transformando-se em elegante borboleta a enfeitar a natureza. Estaria ele sujeito a viver no brejo e a contemplar em sua tristeza as  estrelas ?

Até mesmo o apetitoso grilo era mais ágil que ele, movimentava-se rápido, até ensaiava pequenos voos, e mesmo seu cri-cri tinha seu charme, diferente do dele, que coaxava e rouquejava em mesma e repetida nota.

Cedo percebeu que cada um nasce como veio ao mundo, não havendo recursos, ou a quem recorrer disso... Era, pois, um sapo e deveria saber conviver com isso, e explorar suas aptidões próprias inerentes aos anuros.

Quando escurecia a dor parecia maior, infinita, demorava-se fitando o céu, com suas reverberações estrelares, e o envolvia os raios lunares, parecendo que aquela majestosa claridade o banhava em especial.

Aquela noite parecia ter o coração lancetado, avultavam suas dores, restando a lua por companhia. Acompanhava, apaixonado, as nuances daquela distante luz que ora vinha na forma de um delicado meio anel, uma meia fase, ou cheia, inteira, como naquele momento se apresentava, deslumbrante em sua luz intensa e pródiga...

Naqueles momentos, desconhecia-se na sua forma de nascença, parecia ser um cavalheiro a cortejar sua dama, a namorá-la de seu brejo, na diáfana luz que emerge suave, dentre as folhagens que rodeia seu meio. Hipnotizado pela sua grandeza, brilhando intensa, abóboda reluzente a encantá-lo– ele, reles Ser!  Encantando  na muda candura, que o enlaçava e o emoldurava em outra paisagem, a iluminá-lo, terna e clara ,junto às obscuras criaturas, em seus refúgios de pobres ocultos, realçados no fascínio de sua beleza – dádiva dos deuses, uma deusa !

Instantes de êxtases, eleito dos céus, inenarrável felicidade, mesmo a rouquidão de seus sons pareciam lindas canções, e sua aparência acanhada cedia à mágica de uma roupagem real. Metamorfose a levá-lo às alturas, alado como pássaro, ao encontro daquela fascinante claridade... Um batráquio então se permitia, na sua insignificância, deleitar-se com os raios luminosos da amada, viajar a terras longínquas, beijar em sonhos sua princesa...

Foi após uma dessas vigílias noturnas, de verdadeira veneração à sua musa, encontrado inerte a fitar o céu. Na madrugada de uma ensolarada manhã, libertou-se do seu ambiente triste, na sutileza de uma borboleta, na canora manifestação de um canário, na alacridade festiva de um grilo,  debandou-se de si mesmo, alçando outros voos... 

 

 
 
Conto publicado no "Livro de Ouro do Conto Brasileiro" - Novembro de 2016