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Neide Araujo Castilho Teno
Dourados / MS

 

Escravo da solidão

 

         

         Partindo do princípio que os contos transmitem verdades e podem revelar o modo de vida de uma determinada época ou situação, creio que pode haver  releitura de grandes histórias. O que chamo de releituras, podem ser os papéis que desempenham os personagens de um conto, assim o que era vilão pode tornar o mocinho da historia. Minha história se inicia numa casa, onde tinha muita gente, de manhã até a noite. Uma casa de fazenda, avarandada, de tijolos, com duas cozinhas caipiras.
Fico imaginando, que bom se pudesse contar algo engraçado, que convencesse aquele homem a crer que morar sozinho, em certo momento da vida, já não é possível mais. Um homem, que já havia morado nessa casa avarandada, que já foi politico, que já trabalhou muito, foi jovem galanteador, e hoje completam seis 89 anos.
Como seria bom se minha história, aquecesse o coração daquele homem, e numa sã consciência se convencesse que doente, frágil, sozinho, só podemos ser feliz ao lado de outra pessoa, filho, filha, enteada. Que meu riso faça seu riso e irresistivelmente pensasse-“ por que essa historia é engraçada, mas verdadeira”.
O tempo tornou-o frágil, com dores no corpo, nos joelhos e precisou ser submetido a um procedimento cardíaco muito diferente, o que contribuiu para não morar sozinho. A vida se encarrega dos nossos destinos, os filhos casam, e se vão o casamento às vezes se vai também, e nem sempre outras oportunidades de união dão certo. O tempo passa e as revelações de uma época passam também. E o homem personagem que era o mocinho, agora tornou o vilão, um escravo da própria sorte, de um dia que deixou de ser o personagem principal e se contentou em ser ele, sozinho, solitário , capaz de tudo.
        Reler grandes histórias, não precisa ir muito longe, não pense nos contos de fadas que a vida reservou para as crianças, falo de um homem adulto, que não guardou as quinquilharias que ganhou , assim como muitos homens hoje, também não guardam, porque não sabem como lidar com os problemas e com a sorte. Muitos deles tornam tristonhos, anti-heróis, mas não deixam o poder de outrora, e grande maioria acaba entrando para uma categoria que eu não sei como nomear. Portanto, nesse conto resolvi inventar, e nomear esses homens de soberbia, a medida, que denota a manifestação individual de menosprezo, como sinônimo de orgulho, dominado pela arrogância. Quanto mais conversa, mais feitos arrogantes expõem :
- Eu não preciso de ninguém para viver comigo. Sempre eu tive namoradas que quiseram morar na minha casa, eu que não quis. Assim continuava:
- Sempre ajudei todo mundo, não cobrei nada das pessoas quando precisava dos meus serviços.
Que eu pudesse contar outras histórias tão engraçadas, que servissem para entrar nos leitos, nas solitárias, nas quadras de tênis, em todas as salas de espera, e enxugassem as lagrimas e deixassem os corações mais puros. Que os contos divertidos, se espalhassem pelo mundo e fosse narrada de mil maneiras, atingindo todos aqueles que um dia fizeram parte da história, e pudesse dizer:
- Eu já passei por este caminho, que engraçado! Valeu a pena ter vivido até hoje para reconstituir outras historias, buscando outros caminhos que não sejam aqueles que transformaram o mocinho em vilão.
E quando me perguntarem:
- Onde você arrumou tantas historias engraçadas? Eu pudesse responder:
- Não são histórias minhas, eu as ouvi a vida toda de desconhecidos que passavam de boca em boca. Queria passar as tristezas do homem doente e convencê-lo de que seu lugar não é ficar sozinho.

 

 
 
Conto publicado no "Livro de Ouro do Conto Brasileiro" - Novembro de 2016