Regulamentos Como publicar Lançamentos Quem somos Edições anteriores Como adquirir Entrevistas
   
Conto publicado no Livro "Contos de Inverno" - Agosto de 2011

Rozelene Furtado de Lima
Teresópolis / RJ

 

A calcinha da Dirce



Vovó convidou-me para fazer compras, para ela companhia é fundamental, quando está sozinha leva para casa coisas desnecessárias e acaba cheia de contas no cartão de crédito. É um sintoma da senescência, comentou ela.
Brechós me atraem, coleciono bijuterias antigas e sempre que vejo uma loja dessas entro em busca de um achado valioso.
- No momento o que temos está no baú. E na bancada ao lado tem objetos e algumas joias, apontou a vendedora. Fiquei olhando as preciosidades e vovó foi ver a arca. De repente, ela suspirou falando lentamente como se tivesse sido fisgada por uma lembrança há muito perdida. – Olha, olha!!! Sacudia uma peça – É a calcinha da Dirce! É a calcinha da Dirce! – Quem é essa Dirce, vó?
Eu vou explicar: - Quando pequena ouvi muitas vezes essa história. Dirce, uma moça muito bonita, casou com Vicente. Ele era vendedor e viajava muito, por isso construiu uma casa no quintal dos pais. Dirce ficava em casa com o filho. A sogra estava sempre vigilante.
Junior brincava com os meninos da vizinhança. Ele era o único da turma que não tinha uma bicicleta.
Todos os dias Dirce deixava o filho na escola e só voltava no final da tarde junto com o menino.
A vizinhança reparava na liberdade de Dirce. – Você tem sorte, seu marido vem duas vezes ao mês e fica em casa só dois dias.
Sempre que Vicente voltava trazia um presente para mulher e para o filho. Numa dessas vezes ele trouxe um lindo conjunto de camisola e calcinha. – Dá próxima vez que eu vier quero você usando estas peças. Frisou: - só abra depois que eu viajar. A mulher ficou tão maravilhada com o presente que saiu mostrando para as amigas da redondeza com a desculpa de ver se alguma delas pudesse copiar um rococó bordado e trançado feito de fitas que adornava a calcinha vermelha. E tinha como detalhe um pelinho preto bem no centro do rococó e da calcinha. Ela mostrava a sedutora peça perguntando: - Será que alguém consegue fazer este entrelaçado de fitas? Uma a uma pegava a pecinha, olhava e dizia que era muito difícil fazer um bordado com fitas tão delicado. Se já passava por elas um fiozinho de inveja, agora corria um rio caudaloso. A calcinha mexeu com a repetitiva vida rotineira e sem criatividade daquelas mulheres. Os maridos não entenderam a mudança do comportamento das suas companheiras.
Vicente regressou. Dirce estava esfuziante de felicidade.
Júnior entrou em casa com um pacotinho pequeno na mão – pai, um homem passou no portão e pediu para entregar a você. E voltou rapidamente para continuar o jogo de bola com os amigos.
Vicente abriu o pacotinho. Tinha um bilhete – ESTA CALCINHA ESTAVA NA GRUTA DA QUINTA LULU, SUA MULHER ESQUECEU LÁ. Ele amarelou, esfregou a mão pelo rosto e gritou: – Diiiiirce. Venha cá... a voz soou numa vibração tão intensa que ela veio correndo. – Que foi amor?
“Vá vestir a calcinha que eu trouxe para você”.
– Agora? Meu amor deixa para mais tarde. Nós vamos primeiro fazer compras.
– Vista agora e me espera no quarto.
Ela meio intrigada, abriu a gaveta da cômoda onde tinha guardado a pecinha vermelha, revirou, remexeu, sacudiu e a calcinha sumiu. Vicente entrou no quarto, jogou no rosto dela a pecinha com o bilhete. Ela atônita lê o escrito. Começa uma discussão calorosa. Dona Amélia a sogra de Dirce, acode à gritaria. Júnior amedrontado sem entender nada, abandona o jogo quando percebe a confusão. Dona Amélia consegue tirar Vicente do quarto. Ele fecha a porta trancando Dirce. Espumando de ódio, fala para quem quiser escutar – “ela vai me pagar, vou matá-la”... Vicente mostra para a mãe o bilhete e a calcinha.
Júnior, vendo a mãe correndo perigo, resolve contar tudo.
- Pai, por favor, me escuta! Ontem, a Zizinha me chamou e perguntou se eu queria uma bicicleta novinha igual a do sobrinho dela. Claro que eu respondi que queria. Então, ela disse que eu teria que fazer uma coisinha à toa: pegar a calcinha nova da mamãe para ela tirar o modelo. Ela devolveria hoje para eu colocar no lugar. Eu só tinha que guardar segredo, não poderia contar a ninguém para não estragar a surpresa e perder a bicicleta. Era uma coisa tão fácil e valia uma bicicleta... Pai, não mata a mamãe, ela não sabe de nada, você está estragando a surpresa.
Nessas alturas do acontecimento o fato se espalhou como fogo na mata seca. “Vicente vai matar Dirce por causa da calcinha”
Diante da revelação do menino, Vicente pega Dirce pelo braço. – Vamos tirar essa história a limpo. Uma procissão seguiu o casal até a casa da Zizinha. A multidão aguardava silenciosa. Dirce chorava copiosamente nos braços da sogra. Ele entra na casa da Zizinha. Depois de alguns minutos Vicente apareceu com a moça e fez com que ela contasse toda a trama à multidão. – Eu sempre tive raiva da Dirce. Ela vive exibindo essa cara de felicidade e fazendo propagada do marido como se ela fosse uma bem-aventurada. Quis acabar com a pose dela para deixar de ser metida. E contou com detalhes todo o plano. Foi vaiada. Naquela mesma noite a invejosa Zizinha foi morar com a mãe em outro estado, pois a mulherada queria fazer justiça.
Enquanto houver tolos haverá mentiras e calúnias.
Apareceu polícia, reportagem, fotógrafos e no dia seguinte “A calcinha da Dirce” foi manchete em todos os jornais.
A peça foi copiada e confeccionada nos diversos tamanhos e cores. Foi uma febre, todas as mulheres queriam ter a pecinha que apimentava a relação. Foi vendida até no exterior. É esse modelo que eu encontrei aqui, encerrou vovó.
A Quinta Lulu de local mal-afamado tornou-se ponto turístico.
A pecinha ficou em exposição na vitrine do Brechó junto com a história contada pela minha avó.

Para comentar ou enviar uma mensagem para o autor, envie email para:
comentarioscbje@gmail.com
Informe
seu nome, cidade, estado, nome deste autor e/ou título do conto.