Rozelene
Furtado de Lima
Teresópolis
/ RJ
A
calcinha da Dirce
Vovó convidou-me para fazer compras, para ela companhia é
fundamental, quando está sozinha leva para casa coisas desnecessárias
e acaba cheia de contas no cartão de crédito. É
um sintoma da senescência, comentou ela.
Brechós me atraem, coleciono bijuterias antigas e sempre que
vejo uma loja dessas entro em busca de um achado valioso.
- No momento o que temos está no baú. E na bancada ao
lado tem objetos e algumas joias, apontou a vendedora. Fiquei olhando
as preciosidades e vovó foi ver a arca. De repente, ela suspirou
falando lentamente como se tivesse sido fisgada por uma lembrança
há muito perdida. – Olha, olha!!! Sacudia uma peça
– É a calcinha da Dirce! É a calcinha da Dirce!
– Quem é essa Dirce, vó?
Eu vou explicar: - Quando pequena ouvi muitas vezes essa história.
Dirce, uma moça muito bonita, casou com Vicente. Ele era vendedor
e viajava muito, por isso construiu uma casa no quintal dos pais. Dirce
ficava em casa com o filho. A sogra estava sempre vigilante.
Junior brincava com os meninos da vizinhança. Ele era o único
da turma que não tinha uma bicicleta.
Todos os dias Dirce deixava o filho na escola e só voltava no
final da tarde junto com o menino.
A vizinhança reparava na liberdade de Dirce. – Você
tem sorte, seu marido vem duas vezes ao mês e fica em casa só
dois dias.
Sempre que Vicente voltava trazia um presente para mulher e para o filho.
Numa dessas vezes ele trouxe um lindo conjunto de camisola e calcinha.
– Dá próxima vez que eu vier quero você usando
estas peças. Frisou: - só abra depois que eu viajar. A
mulher ficou tão maravilhada com o presente que saiu mostrando
para as amigas da redondeza com a desculpa de ver se alguma delas pudesse
copiar um rococó bordado e trançado feito de fitas que
adornava a calcinha vermelha. E tinha como detalhe um pelinho preto
bem no centro do rococó e da calcinha. Ela mostrava a sedutora
peça perguntando: - Será que alguém consegue fazer
este entrelaçado de fitas? Uma a uma pegava a pecinha, olhava
e dizia que era muito difícil fazer um bordado com fitas tão
delicado. Se já passava por elas um fiozinho de inveja, agora
corria um rio caudaloso. A calcinha mexeu com a repetitiva vida rotineira
e sem criatividade daquelas mulheres. Os maridos não entenderam
a mudança do comportamento das suas companheiras.
Vicente regressou. Dirce estava esfuziante de felicidade.
Júnior entrou em casa com um pacotinho pequeno na mão
– pai, um homem passou no portão e pediu para entregar
a você. E voltou rapidamente para continuar o jogo de bola com
os amigos.
Vicente abriu o pacotinho. Tinha um bilhete – ESTA CALCINHA ESTAVA
NA GRUTA DA QUINTA LULU, SUA MULHER ESQUECEU LÁ. Ele amarelou,
esfregou a mão pelo rosto e gritou: – Diiiiirce. Venha
cá... a voz soou numa vibração tão intensa
que ela veio correndo. – Que foi amor?
“Vá vestir a calcinha que eu trouxe para você”.
– Agora? Meu amor deixa para mais tarde. Nós vamos primeiro
fazer compras.
– Vista agora e me espera no quarto.
Ela meio intrigada, abriu a gaveta da cômoda onde tinha guardado
a pecinha vermelha, revirou, remexeu, sacudiu e a calcinha sumiu. Vicente
entrou no quarto, jogou no rosto dela a pecinha com o bilhete. Ela atônita
lê o escrito. Começa uma discussão calorosa. Dona
Amélia a sogra de Dirce, acode à gritaria. Júnior
amedrontado sem entender nada, abandona o jogo quando percebe a confusão.
Dona Amélia consegue tirar Vicente do quarto. Ele fecha a porta
trancando Dirce. Espumando de ódio, fala para quem quiser escutar
– “ela vai me pagar, vou matá-la”... Vicente
mostra para a mãe o bilhete e a calcinha.
Júnior, vendo a mãe correndo perigo, resolve contar tudo.
- Pai, por favor, me escuta! Ontem, a Zizinha me chamou e perguntou
se eu queria uma bicicleta novinha igual a do sobrinho dela. Claro
que
eu respondi que queria. Então, ela disse que eu teria que fazer
uma coisinha à toa: pegar a calcinha nova da mamãe para
ela tirar o modelo. Ela devolveria hoje para eu colocar no lugar.
Eu só
tinha que guardar segredo, não poderia contar a ninguém
para não estragar a surpresa e perder a bicicleta. Era uma
coisa tão fácil e valia uma bicicleta... Pai, não
mata a mamãe, ela não sabe de nada, você está
estragando a surpresa.
Nessas alturas do acontecimento o fato se espalhou como fogo na mata
seca. “Vicente vai matar Dirce por causa da calcinha”
Diante da revelação do menino, Vicente pega Dirce pelo
braço. – Vamos tirar essa história a limpo. Uma
procissão seguiu o casal até a casa da Zizinha.
A multidão aguardava silenciosa. Dirce chorava copiosamente nos
braços da sogra. Ele entra na casa da Zizinha. Depois de alguns
minutos Vicente apareceu com a moça e fez com que ela contasse
toda a trama à multidão. – Eu sempre tive raiva
da Dirce. Ela vive exibindo essa cara de felicidade e fazendo propagada
do marido como se ela fosse uma bem-aventurada. Quis acabar com a pose
dela para deixar de ser metida. E contou com detalhes todo o plano.
Foi vaiada. Naquela mesma noite a invejosa Zizinha foi morar com a mãe
em outro estado, pois a mulherada queria fazer justiça.
Enquanto houver tolos haverá mentiras e calúnias.
Apareceu polícia, reportagem, fotógrafos e no dia seguinte
“A calcinha da Dirce” foi manchete em todos os jornais.
A peça foi copiada e confeccionada nos diversos tamanhos e cores.
Foi uma febre, todas as mulheres queriam ter a pecinha que apimentava
a relação. Foi vendida até no exterior. É
esse modelo que eu encontrei aqui, encerrou vovó.
A Quinta Lulu de local mal-afamado tornou-se ponto turístico.
A pecinha ficou em exposição na vitrine do Brechó
junto com a história contada pela minha avó.
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