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José Anilto dos Anjos
Ribeirão Pires / SP

 

A casa dos uivos

A rotina pacata cidade fora quebrada com a chegada de um misterioso coronel. Sua casa, a última da rua, um tanto afastada das demais, causava arrepios na gente supersticiosa da comunidade. Por muito tempo permanecera abandonada, e mesmo agora, somente tinha sido feita a limpeza essencial para que se tornasse habitável. Os muros altos, as árvores frondosas que mantinham o terreno sombreado, e a arquitetura antiga, davam ao lugar um aspecto de mal-assombrado.

Dois meses depois da chegada do coronel à casa, ele ainda não tinha sido visto pela cidade. Uma vez por semana alguém vinha de carro visitá-lo, mas ninguém sabia quem era. Sempre o mesmo carro. Vinha, permanecia por algum tempo e depois ia embora, sem interagir com o povo. Isso causara uma porção de especulações. E para completar, havia os uivos misteriosos. Cães, provavelmente. Mas para o imaginário daquela gente, a versão preferida era a que dizia que eram uivos de lobos, e, melhor ainda, de lobisomem. Porém ninguém se atrevia a esclarecer a situação. Era mais divertido criar hipóteses pitorescas sobre o assunto.

E o povo manteria por muito tempo as especulações, se não tivesse ocorrido o desaparecimento de Pedrinho. Tudo começou com o sumiço de seu cachorrinho no dia anterior. O menino, de dez anos de idade, passou a tarde procurando por ele, e foi dormir desconsolado. Pela manhã logo cedo avisou ao pai que ia continuar a busca pelo cachorro, e saiu de casa.

- Tenha cuidado, e não vá muito longe, - recomendou o pai. Ele não tinha motivos para preocupações, pois o garoto era conhecido por quase todos da comunidade e estava acostumado a brincar com os amigos pelas ruas.

A preocupação começou na hora do almoço. O menino não tinha voltado, e isso ele nunca fizera. Então o pai saiu à sua procura, deixando a mãe aflita em casa. Pergunta aqui e ali, e três horas depois, nada do menino. A essa altura muitos já estavam ajudando o pai nas buscas.

- Eu o vi indo em direção a casa do coronel, – informou alguém.

- Aquele carro que sempre aparece por lá saiu da casa há uns vinte minutos, – disse outra pessoa.

Foi nesse momento que a histeria coletiva se manifestou, e logo um grupo de dez ou doze pessoas estava reunido na praça, disposto a ir até a casa do coronel, preparados para quaisquer eventualidades. O grupo seguiu em direção à casa, o pai na frente, e única viatura policial da cidade na retaguarda.

Naquela tarde a cerração baixara mais cedo. O ar úmido e frio causava tremores em alguns. A uns cem metros da casa ouviram latidos e uivos. O grupo desacelerou a marcha, e prosseguiu com cautela. Mais latidos, mais uivos. Setenta metros. O portão da casa abriu-se lentamente. O grupo avançou mais um pouco e parou. Um velho saiu. Tinha um embrulho em um dos braços, que segurava como se fosse um bebê enrolado.

Um homem assustador, pensou o pai do menino. Deu mais alguns passos adiante. Cinquenta metros. Olhou para trás. Nesse momento a viatura ultrapassara os demais participantes da expedição, e estava logo atrás dele O grupo parecia hesitante, prestes a se dispersar.

O velho estendeu a mão para o interior do portão, e logo em seguida o menino surgiu. E os dois vieram. O velho com seu estranho embrulho em um dos braços, segurava a mão do menino com sua mão livre. Aproximaram-se sem vacilar.

- Pai! Eu achei! Estava na casa do coronel! Procurei pela cidade inteira, até que ouvi os latidos vindo de lá. Ele estava machucado e o coronel tratou dele.

Nisso o velho, que já não parecia tão assustador aos olhos do pai do menino, entregou o embrulho. Era o cachorrinho, envolto em uma manta, com curativos em uma das patas.

- Pai, o coronel cuida de uma porção de cachorros! Tem uns muito grandes. O filho dele é veterinário em outra cidade, e traz para cá os cachorros sem dono.

O pai, embaraçado com a situação, recebeu o cachorrinho ferido e olhou para trás. O policial estava encostado na viatura e palitava os dentes, observado a situação. Só a metade do grupo ainda permaneciam por ali. O pai olhou para o velho, e por fim agradeceu.

- Não há de quê, - respondeu o velho com um sorriso.

Ele é até simpático, pensou o pai do menino. O velho virou-se e deu dois passos em direção à sua casa, depois parou. Enfiou a mão no bolso e veio novamente até o pai do garoto.

- Estava esquecendo disso. É um antibiótico. Dê um comprimido por dia ao cachorrinho, por sete dias. Depois disso acho que ele estará curado. Deve ter sido mordido por algum outro cachorro.

Depois, fez um cafuné no garoto e foi embora. O menino sorriu. Não precisava dizer nada, entre eles parecia ter se estabelecido um mudo entendimento.

Pai e filho foram para casa. O policial voltou à sua rotina, e depois disso as especulações acabaram-se. O misterioso coronel era só um militar aposentado. E os uivos, nem de lobos nem de lobisomens: eram apenas cachorros em tratamento.


   
Publicado no livro "Contos de Coronéis (ou) Lobisomens" - Edição Especial - Maio de 2014