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Thayla Mercurio Ramon
Florianópolis / SC

 

Mandinga de sorte

João a tratara com despeito por anos a fio. Embora consciente de seu coração apaixonado, passava por Maria como quem passa por um burro. De fato, a via mais como uma jumenta.
- “Hei de conquistá-lo, por bem ou por mal”! – pensava a moça, obstinada.
Corriam rumores na vizinhança de que uma feiticeira mulata andava distribuindo receitas de mandingas para todos os gostos, e Maria foi ter com esta mulher em busca de um manipanço que a conduzisse ao xodó almejado. Embora vivesse numa terra cheia de “santos” – Terra de Santa Cruz, Bahia de Todos os Santos – fiava-se mais das macumbas típicas do território colonial.
Eis a receita infalível que a cabocla lhe ensinara, a custo de ouro:
“Para uma noite de lua cheia:
Escolher o mais belo, roliço e maior ovo de uma esbelta galinha;
Levá-lo a cozinhar por dez minutos, ou seiscentos segundos bem contados;
Amorná-lo numa cova de trinta centímetros em meio a uma plantação de cebolas;
Descascá-lo;
Pincelar polvilho umedecido com pasta de cacau em todo entorno do ovo;
Mergulhá-lo num balde contendo chá de arruda, comigo-ninguém-pode e espada-de-são-jorge até que a lua encontre-se no ângulo de três da madrugada;
Colocá-lo dentro da vagina e com ele passar as próximas horas da madrugada;
Pela manhã, sem lavá-lo, dá-lo-á de comer ao pretendente”.

...

Assim ela o fez. Enquanto transcorria a esperada noite de mandinga, Maria pensava na feiticeira. Custava acreditar que a mulher fosse china; parecia-lhe mais mameluca, embora a mulher jurasse que tinha sangue europeu nas veias. Na verdade, Maria esperava mesmo que o encantamento tivesse o resultado esperado – e era mais nisso que pensava - porque fora tanto dinheiro e trabalho, que planejava aviar a bruxa caso falhasse. Ou pior: entregá-la-ia ao Tribunal da Santa Inquisição.
O plenilúnio chegou ao fim com o raiar dourado do sol entrando pelas frestas da pequena choça em que moravam ela, a mãe e o pai. Sabendo que João passaria ali por perto logo cedo, Maria lhe preparou uma xícara de leite quente com o último torrão de açúcar da família, e esperou por ele com o desjejum cuidadosamente preparado durante a vigília noturna. Habituado a esses mimos, João bebeu o leite e comeu o ovo, elogiando a atenção de Maria pela primeira vez em anos. Seguiu caminho.
Quando passou novamente perto da casa de Maria, João a chamou para entregar-lhe um anel de palha que aprendera a fazer – segundo dissera – com os índios. Disse-lhe que era um agradecimento singelo por sua atenção naquela manhã. Foi assim que Maria soube que o feitiço funcionara e, nos dias seguintes, continuou a receber presentes de João, mas ele já não lhe agradava mais. Vingou-se por seu desprezo de tantos anos dedicando-lhe o mesmo nos anos seguintes, e tornou-se grande amiga da feiticeira que lhe ensinara mandinga de tão rápido resultado. E as duas mulheres passaram os anos seguintes, de grande amizade, rindo do fato de João ter comido um ovo que quase apodrecera dentro de Maria.



   
Publicado no livro "Contos de Coronéis (ou) Lobisomens" - Edição Especial - Maio de 2014