Sergio
Tavares
Maceió / AL
Xeque-mate
Tchekovinsk encontrava-se em sua sala de trabalho. Pensava no
quanto o tempo passou rapidamente, e isto o deixou triste. Levantou-se
e pegou uma xícara de café que se encontrava sobre
uma pequena mesa de centro. Estava frio, cuspiu no copo o gole
de café amargo que sobrou em sua boca e, fez uma careta
de nojo.
Sentiu um calafrio ao perceber que estava ficando idoso e, que
não podia fazer nada para mudar essa situação.
Olhou para um porta-retratos que havia sobre a mesa e consolou-se
diante do sorriso de sua filha.
- Há quanto tempo não a vejo meu anjo... - a bela
Natasha viajou para Cuba há um ano, pois desde pequena,
a menina nascida no Rio de Janeiro, afeiçoou-se à
história de Che Guevara e de Fidel Castro e sempre acalentou
o sonho de conhecer Havana.
A saudade apressou as batidas do coração do velho
Oficial de Polícia. Sentia vontade de abraçar sua
filha, mas ela não estava ao alcance de sua mão.
Lembrou-se de quando Natasha nasceu - o nome foi escolhido por
sua saudosa mãe a senhora Melinova, - e do quanto sentiu-se
feliz, porque queria ser pai de uma menina.
Tchekovinsk retornou a realidade do seu rotineiro trabalho, e
olhou para o relógio de parede. Faltava pouco para terminar
seu expediente, e precisava correr para "dar o pronto para
o chefe" de um serviço que o estava atormentando.
Precisava ser veloz, para chegar cedo em casa, pois queria relaxar
com uma dose de vodca. Sempre pensou em parar com a bebida para
não ficar viciado, mas a maldita era gostosa. Servia para
aliviar as dores que sentia pelo corpo, e mais ainda, as dores
da alma.
Gostava do trabalho, por sentir-se útil, mas a sua paciência
estava se esgotando para certas baboseiras, e quanto mais se dedicava
e se empenhava, menos seu empenho era reconhecido.
Nesse momento, delirava, viajando por lugares quase esquecidos
em seu arquivo mental, visitando seus entes amados dos quais sentia
muita saudade...
- Papai, venha jogar comigo, não consigo nunca ganhar,
a sorte não quer me ajudar.
Era uma grande viagem pelo passado, e via-se ainda como um menino
indefeso, a saltar de um lado para o outro, e seu pai carinhoso,
apesar da dureza de sua formação no exército
ucraniano, abraçava-o para consolá-lo.
O tempo expirava e Tchekovinsk tentou retornar para seus afazeres
buscando achar uma solução para terminar o projeto
no qual trabalhava, mas nenhuma inspiração lhe deu
ouvidos. Apesar dos diversos grunhidos que ouvia na repartição,
um silêncio retumbante o açoitava a alma, permitindo
com que seu pensamento fosse marcado pelo som dos segundos, que
ecoavam do relógio.
Tchekovinsk cumpriu a missão para a qual havia sido designado,
mas resolveu não retornar mais para o Rio de Janeiro. Algo
mais forte do que ele, o agarrou e não permitiu seu retorno
às origens. Partiu de casa, há dois anos, com apenas
uma mala cheia de roupas, documentos e fotografias antigas, porém
repleto de lembranças em sua mente. Estava novamente estabelecido,
trabalhava em uma nova Organização Militar, e fazia
planos para ser feliz.
Agora, a lembrança de seu pai não saía de
sua mente...
- Meu filho, vamos estudar um pouco a sua lição
de xadrez, - o senhor Karpov era um excelente jogador, e fazia
questão de ensinar ao pequeno Tchekovinsk tudo que aprendeu
com os grandes mestres russos.
Diante de um tabuleiro de xadrez, realizou uma saída com
os dois cavalos, ansiava por ganhar de seu pai pela primeira vez.
Conseguiu manter dois peões bem defendidos no centro do
tabuleiro, e as torres foram bem posicionadas, depois de um roque
longo. A dama ficou bem centralizada, dominando as ações
de forma magistral. Tinha que aproveitar o êxito, pois lhe
restava pouco tempo para dar o xeque, caso contrário, seu
pai conseguiria se safar, mais uma vez.
- Xeque, papai, xeque, gritou radiante enquanto preparava uma
resposta avassaladora para vencer o jogo, tinha que vencer depois
de tanta espera, tanto estudo, mas não podia titubear.
Conseguiu visualizar, pelo menos, dois lances seguidos como resposta,
e jogou como o grande campeão cubano Capablanca, apesar
de admirar secretamente Bobby Fischer... mas isso, o senhor Karpov
não podia nem sonhar.
Karpov não esperava a resposta contundente de Tchekovinsk,
pois com um belo e providencial sacrifício da dama, trocada
por um bispo, que defendia ferozmente o rei, Tchekovinsk liquidou
a fatura, arrasando de uma vez por todas a defesas do rei adversário.
? Xeque-mate! - gritou e saiu correndo, vibrando ao vencer pela
primeira vez seu mestre, um adversário forte, – Eu
venci, papai! Eu venci!
? Sim, você venceu... grunhiu o calado Karpov.
Entretanto, com o passar dos anos, Tchekovinsk aprendeu que vencer
não era o mais importante na vida, pois podemos nos sentir
vencedores também, mesmo perdendo. Isto passou a ser o
mais importante para ele, e quando percebeu que seu pai não
podia mais vencê-lo, abandonou o tabuleiro em uma prateleira,
para sempre.
Nesse instante, tudo que ele queria era perder uma única
partida para seu pai, para vê-lo feliz novamente, e isto
sim, lhe daria um sabor especial de vitória.
Seu expediente chegara ao fim, seu tempo se esgotara, tinha que
sair logo, e levaria trabalho para terminar em casa. Pensou no
quanto odiava, a passagem do tempo, que levava tudo com ele, sugando
das pessoas a saúde, os seres amados, os amigos, e às
vezes até, levava as boas lembranças para o mundo
do esquecimento.
Tempo, que levou a convivência com seu pai para tão
longe dele, dos jogos de xadrez no final da tarde, dos abraços
em sua filha Natasha, e que levou sua mãe para sempre..
Tchekovinsk levantou-se e saiu, tentando seguir os passos soturnos
do tempo que o envolveu, mas em seu íntimo, ele sabia que
isto era algo impossível... pois este é um jogo
que ninguém jamais vencerá, todos serão encaminhados
até a jogada final, até a derrota extrema, a morte,
e mesmo que consigamos nos livrar de alguns xeques pelo caminho,
nunca nos livraremos do xeque-mate!
|
|
|
|
|