Francisco
das Chagas Dias
São Luís / MA
Pura emoção: a descoberta
Aline conhece um rapaz num dia chuvoso, quando voltava da faculdade.
Eram mais de onze horas quando entra naquele ônibus toda
encharcada, protegendo os livros dentro de um saco que conseguira
com o porteiro. Ela passa na catraca e procura visualizar onde
iria sentar, escolhe um banco próximo da saída,
onde um rapaz estava sentado com o olhar distante perdido na escuridão
da noite. Quando ela sentou ao seu lado seus olhos se encontraram
de supetão e ali naquele momento único e mágico
surgiu uma atração fulminante. Logo inadvertidamente
surge uma conversa entre eles e não demora muito para estarem
rindo e falando de suas vidas.
O nome do rapaz era Nash, era segurança de uma grande loja
de departamento e não era da cidade, viera de muito longe,
do sul do país. Estava há um ano na cidade e confessa
que começava a sentir-se sozinho, visto que era tímido
e reservado. Aline comenta que também é assim e
não demora muito para eles descobrirem diversas afinidades.
Nash não resiste e desce junto com Aline e como tem uma
pizzaria perto da parada ele a convida para comerem algo, pois
estava com fome. Ela fica meio receosa por tudo está acontecendo
tão rápido, entretanto não resiste e vai
com uma boa sensação a respeito do rapaz que acabara
de conhecer.
E assim Nash e Aline começam a namorar e tudo segue as
avessas das convenções e precauções
que deveriam ter todo relacionamento. Em menos de seis meses o
casal está morando junto e três meses depois Aline
se descobre grávida. Nash fica radiante e manifesta o desejo
por uma menina e até escolhe o nome: Luna.
Aline diz não ter predileção e que vindo
com saúde está bom demais. Não demora muito
para eles saberem que virá um menino. Aline nota a decepção
na cara do marido e para alegrá-lo diz que assim que passarem
dois anos ela poderá engravidar de novo, já que
fizeram planos de terem dois filhos.
Inspirada pelo nome sugerido por Nash caso fosse menina e para
animá-lo ela coloca no filho o nome de Luan. Desse modo
a vida do casal e do filho transcorre na normalidade, a não
ser pelo fato de Nash tomar uma medicação controlada
que ele procurava esconder da esposa. Após uma conversa
ele confessa que tivera depressão alguns anos atrás
e que por isso toma antidepressivos e calmantes. Outro fato que
Aline achava estranho era o fato da distância que Nash mantinha
do filho, ela achava que era pelo fato dele preferir ter uma menina.
O tempo passa depressa e Aline novamente engravida, tanto ela
quanto o marido ficam na maior expectativa. E dessa vez vem à
menina como Nash queria, Aline fica aliviada, já que percebia
que o interesse de Nash estava esfriando pouco a pouco.
Luna nasce e desde então Aline fica admirada com o empenho
do marido, ele praticamente tomava conta da menina sozinho e sem
ao menos reclamar. O afeto vai crescendo junto com Luna, que demonstrava
um total apego com o pai.
Aline fica preocupada quando percebe que a dosagem dos remédios
do marido aumentara. Em compensação o nascimento
de Luna trouxera um novo ânimo ao casamento, tudo estava
como no início.
Quando Luna completa 5 anos, Aline faz um bolo chama as crianças
dos vizinhos mais próximos e faz uma pequena comemoração.
Tudo transcorre dentro da normalidade. Depois que as crianças
dormem, Nash fica horas perto da cama de Luna observando-a. Depois
de meia hora ele sai do quarto e diz que vai comprar um vinho
para ele e Aline beberem. Ela diz que seria muito bom comemorar
a data tão especial só ele e a esposa. Nash pega
a carteira, um boné que gostava, volta ao quarto beija
a filha, alisa o cabelo de Luan e diz tchau a esposa. Esse foi
a última vez que Aline viu o pai de seus filhos, Nash sumiu
de sua vida assim como aparecera.
Resta a Aline cuidar dos filhos e seguir em frente. Ela consegue
com muita luta educar os dois filhos. Luan como não tivera
o amor do pai consegue superar a falta, visto que nunca demonstrara
nada ou pouco falava do assunto. Já Luna desenvolvera uma
obsessão em saber o que acontecera. Ela desconfiava que
a mãe omitia fatos sobre o dia do sumiço, isso criara
um vazio entre elas.
Já com 19 anos ele era estudante de ciências sociais,
Luna não conseguia se livrar da sombra que lhe rondava.
As poucas lembranças do pai, o pouco interesse do irmão
e o fato de mãe não querer falar do assunto parecia
que ela escondia algo. Às vezes ela acordava no meio da
noite gritando pelo pai, ela conseguia vê-lo no sonho, no
entanto quando estava bem próximo virava de costas e ia
embora; era como se existisse algo impedindo a aproximação.
Aline ficava preocupada com a filha, não obstante nada
podia fazer ou dizer. Ela própria nunca entendera o motivo
do sumiço do marido, ela preferia acreditar nisso e seria
menos cruel consigo e com seus filhos. A única coisa que
tinha quase certeza é que havia algo de errado. O comportamento
dele nos últimos anos do desaparecimento era estranhíssimo.
Mesmo com aquela sombra na vida, Luna segue em frente, com a certeza
que não conseguiria viver bem se não resolvesse
essa pendência na sua vida. Assim que estivesse trabalhando
contraria um detetive particular para descobrir o paradeiro do
pai. No último período do seu curso ela consegue
um estágio extracurricular no Presídio Central,
o maior da região, isso graças a um seletivo concorrido
que quase toda sua turma fizera. Ela e sua melhor amiga Nívea
conseguiram e estavam muito felizes.
O primeiro dia elas fazem uma visita ao local acompanhada da assistente
social responsável, ela chamava-se Flora e parecia ser
muito comprometida e competente.
No segundo dia ela pede a Luna que arrume um fichário antigo
de presos mortos, separe por motivo de falecimento, crime e sentença,
pois ela precisaria fazer um relatório anual. Enquanto
ela mostraria a Nívea a sistemática do atendimento
e outras atividades padrão da instituição.
Luna começa e após meia hora olhando o dossiê
de cada preso, ela tem um choque ao abrir um e vê a foto
do pai. Ela pega sua bolsa e abre a carteira e procura uma foto
que sempre trazia consigo. Com uma ao lado da outra ela tem absoluta
certeza que é a mesma pessoa, contudo o nome não
batia, não era aquele nome que tinha na sua certidão
de nascimento.
Então ela começa a ler e logo descobre toda a verdade
que tanto buscava, seu pai era um pedófilo procurado em
outro estado, cometera mais de dez estupros seguidos de assassinato
contra menores, todas do sexo feminino, entre cinco a oito anos,
num intervalo de dez anos e em cidades diferentes. A rotina era
sempre a mesma: ele chegava à cidade e começava
a levar uma vida normal, conquistava a confiança dos vizinhos
para em seguida cometer o crime. O bairro escolhido era sempre
de periferia e bem afastado do centro da cidade.
O dia da sua recaptura fora o dia do sumiço e seu paradeiro
fora feito através de um telefonema anônimo. Assim
que ia lendo e assimilando as informações Luna sentia
um aperto no peito, todo seu corpo se contorcia e seus olhos expeliam
rios de lágrimas.
No final grampeado na pasta do dossiê estava um envelope
lacrado, ela o retira e no lê escrito numa letra tremida:
para Luna. O envelope estava amarelado e cheio de manchas.
Ela o abre e começa a lê. O texto era como se fosse
uma autobiografia, nele falava da infância ao lado do pai
bêbado, dos constantes espancamentos da mãe até
a fuga da mesma, num dia chuvoso. Estava explicado porque sua
mãe sempre falava que nos dias de chuva ele fica olhando
pela fresta da janela; ele confidencia no relato que mesmo adulto
ainda guardava no recôndito da alma, a esperança
que a mãe voltasse. Ele então com apenas 8 anos
passou a ser explorado pelo pai tanto financeiramente quanto sexualmente,
além de apanhar muito. Isso durou longos 8 anos, até
que numa briga com o pai ele o empurrou e ao bater a cabeça
numa quina de mesa morreu. Ele fugiu assustado e então
se envolveu com todo tipo de gente que não presta e aos
20 anos cometeu seu primeiro abuso. Era como se uma força
o atraísse para cometer aquilo, depois que cometia o ato
se sentia o pior dos seres, por duas vezes pensara em dar cabo
da própria vida.
O encontro com Aline foi à tentativa de viver uma vida
normal, esposa, filhos, um lar. Tentativa em vão, já
que ele se consumia de desejo pela filha, e tal fato o deixava
louco já que ele tinha consciência de que era errado;
em contraponto ele tinha certeza que acima de tudo a amava muito
e essa discordância gerava inúmeros conflitos dentro
de si. Por várias vezes, pensou em fazer, mas nos últimos
minutos retrocedia, foi quando chegou ao seu limite e então
num dia chuvoso em que as crianças dormiam ele contou tudo
a Aline, que chorou feito criança, então num gesto
desesperado ele pediu a ela que fizesse uma ligação
anônima e o denunciasse. Pediu que indicasse o mercadinho
onde sempre fazia compras, que dissesse que era uma moradora e
constantemente o via por lá em determinado horário.
E assim foi feito, antes de sair ele implorou que nunca contasse
a verdade aos filhos. Que ela guardasse esse segredo e tentasse
acreditar que ele desaparecera sem explicação.
No final do relato um pedido: diga a ela dona Flora que eu a amava
muito e por amá-la dessa forma eu tive que partir.
De volta à ficha ela descobre que o pai morrera na última
rebelião, fora jogado pelos outros presos do alto do presídio.
Após essa leitura, Luna solta um grito ecoante como se
fosse um animal ferido em agonia. Flora e Nívea correm
para junto dela a fim de socorrê-la, enquanto lá
fora uma chuva torrencial e intermitente tinha início.
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