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Josete Maria Vichineski
Ponta Grossa / PR

49


O ônibus, uma lombriga gigantesca e sanfonada, é uma trilha sonora de celulares. Não ser encontrado é impossível. A tecnologia é aliada dos tagarelas de plantão. Vozes e risos estridentes ecoam, vindos de crianças e adolescentes, carregando mochilas cheias de livros coloridos, como os seus sonhos. Uma parada em frente à rodoviária. Malas e mais malas vão entrando:
- Vai para o centro?
- Quanto é a passagem?
- Para, motorista! Vou descer, peguei ônibus errado!
Já estou atrasada e estas malas sem alça me fazem perder mais tempo ainda. Parece que elas não têm hora para nada. Esta linha é enrolada mesmo.
O ônibus prossegue. Pára num sinal. Os minutos parecem intermináveis: um, dois... dez, onze... Nossa! Já estou onze minutos atrasada? As fofoqueiras colocam as suas novidades em dia:
- Fulana ficou com Ciclano
- Ele é um gato! Gato e galinhão.
A esperança por um emprego nos acompanha neste viagem, que parece interminável:
- Fiz ficha numa empresa, ontem. Hoje fui chamado para entrevista.
- Você consegue, cara, tem segundo grau e curso de computação.
Os minutos vão se alongando, intermináveis. Parece que o deus do Tempo e a deusa da Linha Enrolada fizeram um pacto. O de desenrolar esta linha sem um tempo determinado para terminar. Toca um celular de modo tão estridente, como se fosse o apito de uma linha de trem:
- Alô! Estou no meu carro, É, cara, comprei um, zerinho, zerinho...
Outra parada. Sobe, com dificuldade, uma senhora de cabelo branquinho. Um rapaz pergunta-lhe:
- Quer sentar?
- Grata pela sua bondade, moço.
Mas que bondade, nada. Os lugares reservados são um direito dos idosos. É nosso dever respeitá-los e deixar-lhes o lugar disponível. Um engarrafamento. Parece que houve um acidente com dois carros e um ciclista. O ônibus pára. Os minutos não cedem: vinte... trinta e cinco... Cada um arrisca um palpite:
- O ciclista está ferido!
- Há dois feridos!
- O ciclista morreu!
Depois de intermináveis minutos, chega a ambulância. O ciclista é levado. Está vivo. O trânsito, finalmente, é liberado. Parece um mar , com ondas compridas de veículos de todo o tipo. A pressa impera, neste horário. Por falar em horário, que horas são? Meu Deus, estou 42 minutos atrasada. Por que vim por esta linha? O cobrador pergunta a um passageiro:
- Não tem R$ 0,10?
- Não, senhor. Só esta nota de R$ 2,00.
Outro sinal. Mas que linha difícil de desenrolar! O deus do Tempo está contra mim e a deusa da Linha Enrolada está muito endeusada, para o meu gosto. Uma parada. Crianças descem, em algazarra, próximas a uma escola. Mais gente desce, outras pessoas sobem, servindo ao deus do Tempo, que adora atrasar o meu tempo. Agora já são 48 minutos de atraso. O ônibus segue sua viagem, vira a esquina. Entra no terminal central.
Finalmente o deus do Tempo me dá um tempo e eu consigo me desenrolar da deusa da Linha Enrolada. Desço do ônibus, esta lombriga gigantesca e sanfonada.
Nunca mais pego a linha 49.


   
Poema publicado no livro "Contos Livres" - Edição Especial 2014 - Setembro de 2014