Sonia de Fátima Machado
da Silva
Coromandel / MG
A outra face da Lua
Agora ante a possibilidade de pisar o solo lunar, meu coração
dispara. O comandante da nave RM01 que nos levará a Marte
dá as últimas instruções de como proceder.
Confesso que tenho medo. Mais da decepção. Ela dói.
Quantas vezes lá da terra olhei esse satélite altivo
e frio e, ao mesmo tempo, quente e aliciador de versos. Quantas
vezes lhe escrevi poemas da minha varanda enquanto sonhava como
o infinito. Ela foi testemunha de sonhos e lágrimas. Às
vezes se sentiu triste como eu. Às vezes zombou de mim.
Ah! Lembrei-me da vez em que com apenas quatorze anos cantei “Luar
do Sertão” de Catulo da Paixão Cearense e
João Pernambuco.
“Se a lua nasce por detrás da verde mata
Mais parece um sol de prata
Prateando a solidão
A gente pega na viola que ponteia
E a canção é a lua cheia
A nos nascer no coração”
Era Natal e embalada pelo vinho e o som do violão de meu
primo soltei a voz e arranquei lágrimas dos olhos de minha
tia que hoje já não está mais entre nós.
Por esse tempo eu ainda não conhecia os reveses da vida
e o corpo era só anseio. Depois o tempo passou e me vi
escrevendo versos lunares. Vi-me, eu própria, no mundo
da lua.
Bem, mas o fato é que agora a lua está bem diante
de mim e eu, aproximadamente 384.405 km do nosso planeta Terra
tentando compreender onde foi parar seu brilho poético.
Então fiquei pensando, e já havia pensado outras
vezes que, a beleza e a admiração têm a ver
com a distância. O inatingível é belo e misterioso.
E surreal.
A emoção é muito forte embora tudo que eu
consiga ver nesse satélite natural da terra sejam crateras
enormes que, segundo estudiosos, se formaram quando asteróides
e cometas colidiram na superfície lunar. Além das
crateras vejo grandes montanhas e extensas planícies. Na
verdade é tudo muito belo e meu coração quase
sai do peito quando meus pés pisam o solo de minha eterna
musa. Uma vasta planície como um mar de basalto se estende
diante de mim até o ponto onde uma cordilheira de montanhas
escarpadas e de cumes pontiagudos se erguem para uma atmosfera
que parece não existir. Não muito longe vislumbro
as primeiras crateras circulares ou elípticas em variadas
dimensões.
Ao admirar as crateras fiquei pensando em minhas próprias
cicatrizes das diversas colisões que sofri na vida. Acho
que elas são eternas, embora eu queira apagá-las
de meu ser. Sei que não posso porque, de alguma forma,
elas determinaram minhas superfícies e interiores tal como
os asteróides fizeram com a lua. A pouca atmosfera da lua
deixou-a a mercê desses elementos. E eu? Que dizer de mim
então?
Mas não quero ficar aqui a lamuriar o passado ou o que
quer que seja. Quero aproveitar e sair pela lua. Admirar suas
crateras, correr por essas planícies e perder meu olhar
em suas montanhas. Sentir-me talvez como Neil Armstrong comandante
da nave Columbia da missão Apollo 11 que teve o privilégio
de ser o primeiro humano a pisar na lua. Que teria ele, realmente
sentido? Mas o fato é que a emoção não
dá para ser descrita embora a minha mente vague em versos
que querem nascer ali mesmo entre aquelas crateras lunares.
Interessante: não houve decepção. Antes vejo
a lua mais bela e quero aproveitar cada momento dessa experiência.
Esse momento único em que posso percorrê-la e sentir
cada pulsar de sua atmosfera. Isso soaria quase irônico
para os incrédulos. Mas o fato é que estou aqui
em pleno solo lunar. E acho que sempre estive todas as vezes que
embriagada quis agarrar a lua na superfície de um lago
ou ali mesmo da varanda. É que ela me segue e até
acho que gosta de meus versos. Ah! Lua, bem sabes...
Bem sabes que és musa
a habitar esse ser poético,
cuja lucidez termina em versos...
Sabe, lua?...
Hoje não quero estar só
e nem sentir a lucidez de meu lirismo
a derramar vocábulos solitários...
Hoje quero a ti como companhia,
mesmo fria na altivez de teu universo
perene e iluminado...
Tu sabes, ó lua...
o quanto esse carma poético
atormenta minha alma estratosférica
e preciso extravasar meus limites...
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