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Ediloy
A. C. Ferraro O Sol em zênite
Idéias que o infernizavam, julgava-se duplamente traído, como sócio e amigo. Bastou aceitar a sua retirada que a empresa, aparentemente estagnada, ganhou agilidade, mostrava-se próspera. Sentia que os dois passaram a evitá-lo, coisa inimaginável em outros tempos, o que só aumentava a sua desconfiança e certeza da traição. Ambos nutriam uma paixão comportada pela sócia, desde as épocas escolares, disputavam a simpatia da amiga. Aquilo chegava como um duplo golpe, perdera a participação societária e a percebia distante de si, aliás, mais próxima do rival e ex sócio, a quem já não considerava mais como oamigo de outrora. À medida que a hora transcorria, como vitimado por sufocante calor, um lenço branco de motivos azuis ensopava-se limpando-lhe a fronte, sempre em atitudes cuidadas. O bolso do paletó estufava-se com o lenço ali enfiado em desalinho, com parte pendida para fora. A gravata arregaçada, adorno a incomodar o pescoço vermelho e a cair por entre os pelos entrevistos pela abertura de três botões abertos na camisa. A descompostura casava-se com as feições contraídas, os lábios cerrados traiam ligeiros repuxos na face lívida. Os olhos injetados de veias minúsculas e vermelhas, excêntricas às pupilas, na clara visão de noites insones. A barba aparada com desleixo, ferindo-se em alguns pontos da face, visíveis em manchas de sangue seco. No silêncio imperturbável do ambiente, o sobressalto do visitante intruso com o toque pesado do velho relógio de parede, modelo clássico, anunciando em meio tom as onze primeiras horas daquele sábado de sol. Oescritório não tinha expediente, propício a ele para se aventurar a remexer nas gavetas em buscas de documentos e comprovação do logro a que fora submetido. Passado o susto, como que movido pela urgência , os passos tornaram-se mais céleres, atrevidos, vasculhando atentamente os corredores, movido pela força brotada na ânsia da procura, como se fosse a razão única de sua existência. Seus gestos cuidadosos, precavidos, cederam à insânia de percorrer confusamente os cômodos contíguos à sala de entrada, tornando-se uma patética figura numa arena, qual coelho utilizado para sorteio, onde se apostam em qual casa vai entrar o animal, uma vez solto ao centro. O barulho de uma chave na maçaneta da porta de entrada fê-lo deter-se, num estalo se recompor, ocultando-se ao lado de uma estante. Sons de vozes , com folguedos alegres, em atitudes sensuais, a porta se abre e se fecha rapidamente. O casal se beija calorosamente, satisfeitos, parecem brindar a concretização de uma boa venda. Despreocupados, comentam as novidades, sem suspeitarem de que não estavam a sós. Certos do anonimato, comemoram os êxitos dos empreendimentos realizados, além do descarte do sócio, um a menos na divisão dos resultados. Conceituavam-no como um ingênuo, e o mundo não perdoa os fracos, na conclusão dos convivas entretidos em um brinde. Para compensar, ambos julgavam que a lição seria proveitosa ao ex amigo, teria a serventia de experiência de vida. Já, então, não restava mais nenhuma dúvida. Nem precisava de documentos comprobatórios da farsa, os próprios se denunciavam sem suspeitarem de sua presença. Restava a ele presenciar os dois entregues aos afagos e brincadeiras. Seus gestos são automáticos, como se executasse um plano já decidido, pensado, arquitetado em mil conjecturas. Bastava concluí-lo. Sorver o fel de tantas mágoas, vivenciar aquilo que torcia, no íntimo, para não ser verídico. Nas mãos nervosas um cano curto de uma arma, tiros infalíveis, a mãodireita apoiada na esquerda. O primeiro a cair foi o sócio , sem tempo para pronunciar palavra. Atordoada pela surpresa, debalde tentou se defender acusando o outro que agonizava pela idéia infeliz. Não teve muita chance de suplicar por misericórdia, a bala fora fatal, à queima roupa. O atirador sentiu nas narinas a fragrância do perfume suave dela que tantas vezes o embevecera. O sangue tingia o vestido branco decotado. A abóboda do recinto resplandeceu de luz, o sol subia em zênite, iluminando todo o interior, no momento em que o relógio, em suas badaladas sonoras, ultimava as doze horas. O homem, ensopado em suor, entre fatigado e angustiado, apático, detona mais um projétil, contra a própria cabeça. No chão, três corpos. Excluído no sucesso,
permaneceriam unidos na desgraça.
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Poema
publicado no livro "Contos Livres" - Edição
Especial 2014 - Setembro de 2014 |
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