Romilton Batista de Oliveira
Itabuna / BA

 

 

Outono da libertação

 

           

 A história é sempre uma história quando logo se percebe a presença de um personagem-narrador que discretamente se anuncia sem precisar apresentar um comunicado oficial ao ilustre leitor que, como parte desta escrita banhada por um híbrido rio que cercou o filósofo Emmanuel Levianas em sua teoria da alteridade ou o linguista e filósofo Bakhtin que foi banhado pelo rio do dialogismo intertextual, ou ainda os rios em que se banharam os poetas Castro Alves, Cecília Meireles, Paul Celan, Flor Bela Espanca, Boudelaire, Cervantes, assim como os grandes mares profundos nos quais se banharam os filósofos, psicólogos, romancistas e grandes pensadores  estruturalistas e desconstrucionistas como  Platão, Aristóteles, Santo Agostinho, René Descartes, Saussure, Maurice Halbwachs, Henri Bergson, Althusser, Nietzsche, Foucault, Deleuze, Judith Butler, Gayatry Spivak, Halbwachs, Emmanuel Kant, Hegel, Husserl, Merleau-Ponty, Karl Mark, Lévi-Strauss, Jacques Derrida, Jorge Luís Borges, José Saramago, António Lobo Antunes, Marcel Proust, Kierkegaard, Jacques Lacan, Sigmund Freud, Matinho Lutero, Martin Luther King, Mandela, entre tantos outros que por aqui passaram e transformaram o mundo por meio de seus discursos.
O mundo sem esses rios e mares banhados por esses homens e mulheres não seria o que hoje ele é. Não posso também deixar de mencionar aqui nesta narrativa entrecruzada por vozes do saber, o personagem maior da História, Aquele que a dividiu entre um antes e um depois – a. C (antes de Cristo) e d. C (depois de Cristo) – siglas potencializadoras que marcam as fronteiras da história do homem na Terra. Jesus Cristo, maior símbolo da história do mundo cristão, pagão e não cristão constitui, sem dúvida, desde a Antiguidade até os nossos dias os limites da história da humanidade. Depois de Cristo as estações do ano tiveram um novo sentido na escrita que constrói e desconstrói a todo momento o ser em construção. O Verão tornou-se a estação do fogo que o homem precisa ter para aprimorar o conhecimento; o Inverno tornou-se a estação das águas que o homem precisa navegar em seu dia-a-dia; a Primavera tornou-se a estação das flores, período de renovação e desabrochamento do ser e o Outono que como a estação de controle entre as estações serve como a estação de equilíbrio e preparação, de equilíbrio emocional da humanidade e da preparação para a estação que esfriará e acalmará a civilização a encontrar o rumo certo por meio de seus raios fortes de amor e emoção.
É no Outono que que as folhas caem e a floresta da poesia se apruma nos ramos repletos de versos, sons e magia. É no Outono que um “outro” renasce em nós como a chama da esperança a iluminar os corações por um brilho que reluz como ouro de cristal, curando os seres humanos da chaga corruptível que afasta o homem de sua essência divinal, reconstruindo a dignidade sob nova direção, a direção do Outono que traz consigo o enigma da libertação. Libertai ó Deus o nosso país continental das folhas que precisam cair para que novas folhas límpidas e livres, banhadas pela justiça oriunda da vontade popular, possam, enfim, fortalecer a árvore da vida humana. O povo unido pela fé de um bravo Outono pode muito fazer. Por isso, o narrador desta crônica sem ensaio ou deste gemido conto sem saída, celebra mais um Outono marcante em sua vida e na vida de todos os leitores deste encantado país, maltratado por seus filhos desarraigados da fonte da eterna natureza e arraigados no orvalho estúpido da avareza, possam encontrar novamente o caminho que possa conduzir nossa rica nação sob o horizonte que desponta desde para uma nova dimensão: estamos sendo preparados para um desafio que vai, de uma vez por toda, permitir que o Inverno chegue e se espalhe por entre as nuvens de algodão que rejuvenesce a alma do leitor aflito, pois, aqui, nesta prosa dialógica cabe todas as vozes maltratadas nesses últimos dias de afronta. O Inverno sem dúvida virá, pois o Outono está a preparar o terreno para que ele venha trazendo consigo a vitória do povo contra a corrupção, da poesia contra a desestruturação, da prosa que liberta contra a prosa que escraviza, do discurso competente que esclarece os fatos contra o discurso inventado que distorce os enunciados. Enfim, o Outono traz consigo a oportunidade de cortar o mal pela raiz, de fazer com que a crônica da Verdade e da Sinceridade assumam definitivamente o seu real papel contra todos aqueles que se levantam a favor da escravidão.
Outono, traz de volta o nosso sorriso, e vem iluminar toda essa gente que luta com todo o seu orgulho de ser gente contra tanta gente que insiste em ser bicho feito de podres tecidos que envergonham a face da gente! Outono, traz de volta o nosso sonho de fazer desta nação uma República que valorize os filhos que há tantas décadas lutam por uma nação liberta da mentira, do “joio” e da escravidão. Somos “trigos” e como guerreiros trigos espalharemos sobre a terra nossas raízes culturais e venceremos o mal através da poesia e da prosa que dão sentido à nossa estrada! Viva o povo brasileiro que neste Outono renovado e cheio de esperança, libertará novamente o Brasil da ditadura imperialista do vil tentador. E uma “folha” renascerá... E uma “rosa” se erguerá... E um novo cântico será erguido da voz que luta contra a tirania... E o Outono enfim realizará o seu maior sonho: o de fazer deixar brotar do chão a alegria perdida por um povo cansado de tanto sofrer. E, por fim, tudo se renovará: “Caminhando e cantando e seguindo a canção, somos todos iguais, braços dados ou não. Nas escolas, nas ruas, campos, construções... Caminhando e cantando e seguindo a canção: Vem, vamos embora, que esperar não é saber, quem sabe faz a hora, não espera acontecer... Vem, vamos embora, que esperar não é saber, quem sabe, faz a hora, não espera acontecer... Somos todos soldados armados ou não... A certeza na frente, a história na mão
Caminhando e cantando e seguindo a canção. Aprendendo e ensinando uma nova lição” de que somos mais que vencedores quando juntos estamos a caminhar, pois está em nós a missão de fazer este país um lugar melhor pra que o mundo perceba que temos na língua o poder de decisão. Vem, vamos embora! O Brasil vai proclamar o que o povo português soube realizar, quando no dia 25 de Abril de 1974 pôs fim à ditadura que escravizava negros e portugueses a viverem à mercê de um regime de exploração e indignação.
No Brasil a história se repete num contexto diferente, mas tecido com a mesma ideologia que, por descuido, surge como um “verme” corruptível que aloja no coração de aproveitadores da democracia. Onde está ó América que dormes em silêncio, deixando seres da deformação governar tanta gente boa! Onde está ó América Latina sofrida em pó que permite ditadores serem renascidos por meio de trapaças e emboscadas! Teu povo é varonil, tem sangue eterno e voo gigante como ramos poéticos a vencer o mal pela espada do verso aberto no lirismo que silencia a dor de quem deveras sente, como bem disse a poetiza que aqui habitou e por essas bandas escreveu: “Sei que canto e a canção é tudo. Tem sangue eterno a asa ritmada. E um dia sei que estarei mudo: – mais nada”. Cecília Meireles era o seu nome. Não era corrupta, não era meliante, não era indigna. Era simplesmente parte do Brasil que escreveu com orgulho de ser brasileira, interpelada por um dom que a perseguiu pela vida em devoção e gratidão. Mas é em Camões que bebemos da água lusitana e fortalecemos o bom combate da conscientização: “Os bons vi sempre passar No mundo graves tormentos; E para mais me espantar Os maus vi sempre nadar Em mar de contentamentos”. ... A voz de um povo heroico ecoa nas margens de um novo grito do Ipiranga... E o Brasil novamente se “descoloniza” à base de poesia que inunda o coração da gente, e traça uma nova estrada a ser reconstruída por braços fortes... Ó Pátria Amada Idolatrada! Salve! Salve! Brasil, um sonho intenso, um raio vívido... que traz em sua história a eterna fonte lusitana de ser e estar feliz, de lutar, vencer e sorrir...

(Ao professor e escritor português Doutor Gabriel Augusto Coelho Magalhães)


 
 
Poema publicado no livro "Contos de Outono" - Edição Especial - Junho de 2017