Maria Rita de Miranda
São Sebastião do Paraíso / MG

 

 

Na psiquiatria

 

           

          Desde bem jovem já tinha em mente que quando eu tivesse de escolher uma faculdade para cursar, seria a de medicina. Idealista, gostava de me ver curando as dores do corpo, salvando vidas, já sentindo que daria uma boa contribuição para o bem da humanidade. Encarava esse sonho como gente grande. Talvez seja por isso que ele tenha se realizado.
          Já estou cursando o quarto ano de medicina e completamente apaixonado pelo curso. Depois de algum tempo do meu ingresso na faculdade, pude perceber que me esperavam inúmeras dificuldades e problemas para serem resolvidos, que teria de estudar muito, que este estudo me acompanharia pelo resto da vida e que também a prática nem sempre corresponde a sonhos. Ela tem mesmo a ver é com a realidade nua e crua.
          Durante este período do curso, tive que passar por vários setores do HC aprendendo de tudo um pouco, até tentar me identificar com o ramo da medicina no qual me especializaria. Aconteceram fatos inusitados, inesperados, tristes, que eu tentava resolver da melhor forma possível, rejubilando-me quando acertava ou pedindo ajuda ao monitor quando dúvidas severas tomavam conta de mim.
          Certa feita fui designado para acompanhar, durante dez dias, um paciente da ala da psiquiatria. Não conhecia o paciente, nem sabia o diagnóstico da doença. Foi uma experiência única. Subi até o sétimo andar do hospital e logo fui tomado de surpresa ao ver tantas pessoas agindo de maneira bastante peculiar. Algumas faziam questão de se aproximar apenas me olhando, outras já queriam me tocar. Tentei sorrir e fui conhecer o meu novo paciente.
           Fiquei surpreendido ao vê-lo. Parecia tão normal... Cumprimentamo-nos e começamos uma conversa trivial. Ele respondia com exatidão às perguntas. Falamos sobre política, religião, esporte, família.
          Eu estava intrigado. Como uma pessoa que se apresentava de modo tão normal estava internado num hospital psiquiátrico? No sexto dia de contato, querendo a todo custo diagnosticar o paciente, não resisti e lhe perguntei:
          - Por que você está internado aqui?
          - Se eu lhe contar a minha história, você vai achar que sou doido. Todos que a escutam pensam assim.
          - Tente, por favor.
          - Fui pego por marcianos. Eles colocaram um chip na minha cabeça. Através dele, até hoje, recebo mensagens dos extraterrestres. Por favor, não diga a ninguém que lhe contei minha história. Quando os enfermeiros ficam sabendo que a mencionei, me dão remédios fortes, me maltratam. Eu ainda vou à forra.
           No outro dia escutei, com detalhes, a mesma história, assim como nos dias que se sucederam.
           No meu décimo dia nesta ala, estava saindo do consultório, após a última sessão, quando me deparei com alguns enfermeiros pelo corredor. Ingenuamente lhes contei a história do meu paciente e ainda lhes pedi que não o maltratassem, advertindo-os:
          - Tomem cuidado, este homem quer e pode se vingar de vocês.
          O que ouvi dos enfermeiros, no meio de risos, me encheu de indignação.
          - O doutorzinho acreditou!
          No dia seguinte seria a reunião de avaliação com o clínico do setor. Relatei meio inseguro os fatos, pois percebi que tinha sido quase convencido pelo paciente de que ele não era doente mental. Meu chefe exclamou:
          -Percebo que você não tem um diagnóstico preciso. Pois bem, o seu paciente sofre de um tipo de esquizofrenia que se manifesta periodicamente de maneira idêntica. Por isso a repetição exata dos fatos todos os dias.
          Saí da sala consciente de que tinha muito ainda a aprender.
          E o mais inusitado. Tempos depois, relatando este episódio a um amigo, que nada tinha a ver com a medicina, ele falou:
          - Por via das dúvidas, se eu fosse você, pedia uma ressonância para ver se ali existia mesmo o tal chip.

 


 
 
Poema publicado no livro "Contos de Outono"- Edição Especial - Junho de 2017