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Valmari Santos Nogueira
Salvador / BA

O incrível Bartô

- Meu pai, eu quero criar um cachorro. - Cachorro aqui em casa? Nunca. Você quer me deixar ainda mais grisalho, minha filha! Cachorro, além de rabugento, exala mau cheiro. Seus donos não sentem porque as suas narinas se acostumam com o odor. Mas, quem chega à casa que tem cachorro sente o cheiro característico do animal. Sem contar que deixam pelos por tudo que é canto da casa. E tem mais inconveniente. Todos os dias você vai ter que conduzi-lo até a rua para que ele faça cocô e xixi. Ah, não se esqueça, também, que o cocô você vai ter que catar para não emporcalhar a rua! Essa tarefa diária, tenho certeza que você só vai cumprir durante a primeira semana. E olhe lá se não estou te dando tempo de mais. No frigir dos ovos, sabe pra quem vai sobrar? Claro que é para o abestalhado do papai. Quando você casar e tiver sua casa, que crie até dez cachorros. De todos os tamanhos, de todas as raças... Mas, enquanto você estiver debaixo do meu teto, Cachorro aqui não entra. Não e não. – Falou decidido o pai. A filha tentou argumentar, mas o seu genitor foi incisivo, negando-lhe a pretensão. Alguns dias depois ela ganhou do namorado, um coelho. Quando o pai chegou da rua, deparou-se com o roedor no colo da menina, que, naquele momento, já o cobria de mimos. A princípio o sisudo homem olhou, com cara de poucos amigos, para aquele bicho meio feioso, orelhudo, olhos negros e graúdos e relutou, também, em aceita-lo. Mas, o roedor já tinha até recebido um nome de batismo: Bartô. Houve mais relutância e negociações, mas o velho acabou por sucumbir aos argumentos da filha. Não, sem antes lê o bê-á-bá das normas de convivência do animal no apartamento. – Tudo bem. Permito. Mas, se esse bicho satisfizer as necessidades dentro de casa, ele vai criar asas e sair voando daqui do nono andar. O coelho esboçou um pesaroso olhar para o homem, como se estivesse pedindo um voto de confiança. Se coelho falasse, pela expressão fisionômica por ele esboçada, talvez quisesse dizer que não iria sujar a casa com seus excrementos. Tâmara, a dona, providenciou logo os aposentos do animalzinho: uma gaiola própria para coelhos, que foi colocada na varanda para que ali ele se alimentasse, dormisse, fizesse xixi e cocô. Na primeira semana ele ficou prisioneiro. Depois, passou a conviver livre como se fosse mais um morador do “apê”. Para surpresa de todos, parece que Bartô ouviu as ameaças a si endereçadas e passou a se comportar com extrema civilidade. Só faz cocô e xixi na gaiola. Devido aos mimos que o animal recebe da sua dona e de sua irmã caçula, hoje, ele só dorme no quarto delas, vigiando-as, como se fosse um “coelho de guarda”. O que chama mais a atenção de todos é que convivendo há mais de um ano no apartamento, além dele não fazer jus à sua fama de roedor, uma característica da espécie, é seletivo quanto à circulação nos cômodos da casa. Só circula na varanda, sala e quartos. Cozinha, área de serviços e banheiros, nunca frequentou. Suas atitudes civilizadas acabaram por conquistar a estima do exigente pai, que já brinca, põe o danado no colo e o afaga como a um filho. Quando a menina está mimando o bichinho e que seu genitor está próximo, para provocá-lo, ela fala: - olha o seu avô ali, Bartô! E estende o animal na direção dele, e completa: - Meu pai toma aqui, segura um pouco o seu netinho. O pai já não vê mais o animalzinho como um bicho feioso, muito pelo contrário, a convivência já o tornou digno de admiração, levando o sisudo homem a achá-lo engraçadinho, até. Tâmara, não mais importuna pedindo para criar um cachorro porque, para a felicidade geral de todos os moradores do “apê”, o roedor se comporta como se um cão de guarda, fosse.

 

 

   
Obra publicada na Antologia de Contos Fantásticos - Edição Especial - Fevereiro de 2014