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Luiz Rodrigues Souto
Florianópolis / SC

 

Recordações da minha infância

Eu não nasci em berço de ouro. Minha família era de classe média baixa. Consegui crescer cercado de carinho de meu pai e minha mãe. De uma turma de nove eu fui o último, a raspa do tacho. Eu tive um pai e uma mãe que chegavam juntos, não permitindo nenhum deslize. 
Por isso, devo agradecer a Deus por ter uma família bem estruturada, que sempre procurou velar pelos os procedimentos de seus filhos.
Na minha casa nunca faltou nada, sempre tivemos o suficiente, mas com muito esforço e dedicação de meu pai.
Eu desde pequeno sempre tive um orgulho de meu pai e de minha mãe. Ele pela sua altivez. E minha mãe pela conciliação. Meu pai sempre foi muito respeitado por todos seus patrões e por seus colegas de profissão.
Na aquela época no Rio Grande do Sul havia as charqueadas, onde matavam os bois e suas carnes eram cortadas em mantas para fazerem o charque. O meu pai era charqueador. Era um trabalho que procurava abrir a carne de modo que ela ficasse apropriada para ser colocado em um tanque contendo a salmoura, ficando por um período.  Posteriormente era retirada dos
tanques e feita uma pilha em que permanecia por período dentro de um galpão.
O período de safra era de duração limitada. Os bois só eram abatidos na época que estavam gordos, com o peso acima de 400 quilos. O trabalho tinha uma duração de aproximadamente de quatro meses e aí a safra era encerrada.
E a partir daí a charqueada entrava em recesso e que era chamada de safra seca, sua duração, era de mais ou menos oito meses. Tinha um pessoal que trabalhava durante este período, estendendo as carnes no varal, conjunto de varas compridas sobre dois suportes, onde eram colocadas  as mantas de carne salgadas, que ficavam durante o dia  expostas ao sol e a tarde eram recolhidas pelos  trabalhadores.
Durante essa época meu pai trabalhava como carpinteiro consertando alguma coisa na charqueada. Todavia, por pouco tempo. Ele era muito procurado para construir galpões nas colônias de arroz ou nas estâncias ou fazendas  onde trabalhava consertando as mangueiras e bretes por onde se leva o gado para marcá-lo, castrá-lo, vaciná-lo, conduzi-lo ao banho carrapaticida ou vagão de transporte. Teve uma vida dura. Mas nunca vi reclamar de nada. Era um velho duro na queda.
Mas o que me deixava surpreso é que meu pai tinha o segundo ano primário, não sabia fazer conta de dividir por dois números. Entretanto, na sua profissão de carpinteiro ele fazia umas carroças e carretas. Construía suas rodas. Quando eu perguntava a ele. – Como o senhor consegue fazer uma roda? Tem-se que dividir em dez partes iguais e o senhor não sabe fazer
contas de dividir por dois números?  - Ele respondia prontamente, é a prática.
Eu sempre me orgulhei de meu pai. Até hoje eu procuro seguir seus passos. Ele tinha uma
postura invejável, caminhava sempre com o corpo ereto e muito sério. Não se via meu pai dando gargalhadas. Era um homem muito sério.
Já minha mãe tinha por base a conciliação. Vivia pondo panos quentes para minimizar os problemas familiares. Sempre foi uma pessoa muito conciliadora. Era difícil de ver minha mãe braba. Sempre procurava ajudar não só minhas irmãs que eram cinco e mais os três irmãos, mas a vizinhança também.
Eu tive uma vida saudável. Morava num vilarejo, chamado de Tiarajú. Nossa casa era de tábua coberta de capim. A cozinha e o galpão eram cobertos de zinco. O terreno era grande. Era chamado de cercado com uns 80m X 150m.
Ali meu pai plantava milho, feijão, cebola, batata-inglesa, couve, alface, batata- doce e abobreiras e tempero verde. Tinha também pessegueiros, laranjeiras, figueiras, ameixeira e limoeiro. Um galinheiro com muitas galinhas. Um chiqueiro ou pocilga onde nós criávamos porcos, vacas, terneiros e cavalos. Tinha também uma mangueira onde prendíamos os terneiros e pela manhã ordenhávamos as vacas de leite.
Em Tiarajú,  o  vilarejo com o máximo de 50 casas, tinha um armazém, onde comprávamos farinha de trigo, açúcar, querosene, arroz e sal. O resto era tudo feito em casa.
Tive uma infância saudável convivendo com todos os tipos de animais. Com seis anos de idade já sabia andar a cavalo. Juntos, a criança e o cavalo formam o conjunto cavaleiro/cavalo, o que é bastante favorável para o crescimento e desenvolvimento forte. Havia um açude no campo onde nos tínhamos os cavalos e vacas e novilhos. Eu e meus amigos gostávamos de fazer brincadeira perigosa. Fazíamos os cavalos atravessar o açude e nos agarrados em suas colas, era uma farra.
Com idade de 10 anos eu fui trabalhar com o meu pai na estância do senhor Miguel Nara. Meu pai trabalhava construindo galpões e eu trabalhava na lida de campo. Ajudando os outros peões a curar os terneiros que tivessem bicheiras ou banhar o gado que tivessem carrapatos. Com 12 anos eu fui trabalhar na charqueada juntamente com o meu pai. Ele como charqueador, e retirando do fígado do boi.
Aos 13 anos eu fui trabalhar em um armazém do vilarejo de Vacacay. Era balconista ou caixeiro como era chamado naquele tempo. Era bem divertido. Quando chegávamos pela manhã o nosso trabalho era deixar os produtos pesados de 1 kg, ½ kg e 250 g. As mercadorias  mais procuradas pela população eram açúcar, arroz, feijão, café e pão. Não podia faltar nas
compras a ½ garrafa de cachaça. Tempo bom era aquele...

 

   
Publicado no livro "Contos Fantásticos" - Edição Especial - Maio de 2015