Otaviano Maciel de Alencar Filho
Salvador / BA

Alô!

 

        

           

- Alô, é o morador do primeiro andar?
- Pois não! Quem está falando?
- Aqui é o vizinho do andar térreo. Tudo bem com o senhor?
- Claro! O que deseja?
- Bem, é que eu estou escutando a campainha da portaria tocar há bastante tempo e como o senhor deve saber, hoje é dia de folga do porteiro. Também pude observar que não há ninguém na rua, a não ser dois homens do lado de fora do portão. Não sei onde coloquei as chaves da porta do meu apartamento. Não as encontro em parte alguma. Poderia ir lá fora e ver o que está acontecendo?
- Estou sem tempo e ademais não vejo nada além da conta neste acontecimento. Pode ser que eles já tenham telefonado para o condômino que eles vieram visitar. Não se preocupe. Interfonarei para o morador do segundo andar e perguntarei se ele pode ir ver o que está acontecendo.
- Tudo bem, muito obrigado!
- Alô, é o morador do segundo andar?
- Sim. O que o senhor deseja?
- Quem fala aqui é o vizinho do primeiro andar. É que o morador do andar térreo interfonou para mim e falou que tem duas pessoas lá fora no portão, tocando a campainha, e como hoje é dia de folga do porteiro ele quer saber se alguém do condomínio poderia ir ver o que está acontecendo lá, pois ele perdeu as chaves do apartamento e eu estou sem tempo e não posso ir. O senhor poderia ir lá?
- Bem que poderia ir, mas no momento estou com alguns pães no forno e não posso me ausentar nem um segundo, pois corro o risco de eles queimarem. Mas não se preocupe, vou interfonar para o morador do terceiro andar e procurar saber se ele pode ir resolver este caso.
- Agradeço muito. Até logo!
- Alô, é o morador do terceiro andar?
- Sim. Posso lhe ajudar?
- Quem fala aqui é o vizinho do segundo andar. O negócio é o seguinte: É que o morador do primeiro andar interfonou para mim e falou que o morador do andar térreo interfonou para ele e disse que tem duas pessoas lá fora no portão, tocando a campainha, e como hoje é dia de folga do porteiro ele quer saber se alguém do condomínio poderia ir ver o que está acontecendo lá, pois ele não pode ir e o morador do térreo perdeu as chaves do apartamento. Falei-lhe que estou muito ocupado, fazendo pães e não posso ir. O senhor poderia ir lá?
- Sinto muito, vizinho!  Estou sentindo uma forte dor de cabeça e não consigo nem abrir os olhos.  Mas não se preocupe, vou interfonar para o vizinho do quarto andar e procurar saber se ele pode ir ver o que está acontecendo, tudo bem?
- Sim. Muito obrigado.
-Alô, é o morador do quarto andar?
- Sim. O que deseja?
- Quem fala aqui é o vizinho do terceiro andar. O que acontece é o seguinte: É que o morador do segundo andar interfonou para mim e falou que o morador do primeiro andar interfonou para ele e disse que o morador do térreo havia interfonado para ele dizendo que tem duas pessoas lá fora no portão, tocando a campainha, e como hoje é dia de folga do porteiro ele quer saber se alguém do condomínio poderia ir ver o que está acontecendo lá, pois ele não pode ir, pois está com pães no forno e o morador do primeiro andar está muito ocupado e não pode ir. O morador do andar térreo perdeu as chaves do apartamento. Falei-lhe que estou com dor de cabeça e não posso descer. O senhor poderia ir lá, por favor?
- Puxa vida, veja o senhor como são as coisas, eu até poderia ir... Mas como não tem ninguém para ir comigo, não vou arriscar, podem ser assaltantes! Desculpe, vou ficar quieto! Porém, vou interfonar para o morador do quinto e último andar, ele é policial.
- Tudo bem, bom dia, desculpe-me por perturbá-lo.
- Não precisa se desculpar, vou entrar em contato com ele agora mesmo!
- Alô, é o morador do quinto andar?
- Ele mesmo. Em que posso ajudar?
- Amigo, aqui é o vizinho do quarto andar que está falando, espero não lhe estar perturbando, mas o dever me impõe a lhe informar o que está acontecendo: É que o morador do terceiro andar interfonou para mim e falou que o morador do segundo andar interfonou para ele e disse que o morador do primeiro andar havia interfonado para ele, dizendo que o morador do andar térreo disse que tem duas pessoas lá fora no portão, tocando a campainha, e como hoje é dia de folga do porteiro ele quer saber se alguém do condomínio poderia ir ver o que está acontecendo lá, pois ele não pode ir porque está com fortes dores de cabeça e o morador do segundo andar está assando pães e não pode de ir lá fora. O morador do primeiro andar está muito ocupado e o morador do andar térreo perdeu as chaves do apartamento. Falei-lhe que sozinho eu não vou. O senhor poderia ir lá, por favor?
- Tudo bem. Verei o que posso fazer.
Desligou o interfone e foi até a janela conferir as informações. Constatou que não havia mais ninguém na rua, a não ser os dois homens e, um pouco mais afastado, uma viatura do corpo de bombeiros. Desceu imediatamente e foi ao encontro dos homens que acenavam insistentemente para os moradores do edifício.
Neste interim, enquanto conversava com os dois homens, o morador do quarto andar olhou pela janela e notou a presença de três homens.  Interfonou para o morador do quinto andar, mas este não atendeu. Concluiu, então, que era ele que estava lá embaixo com os outros dois homens. Então, tomou coragem e fez o mesmo.
O morador do terceiro andar também olhou pela janela e viu quatro homens. Interfonou para o morador do quarto andar, mas este não atendeu. Entendeu que ele havia descido com o morador do quinto andar e fez o mesmo.
O morador do segundo andar também resolveu olhar pela janela e notou a presença de cinco homens.  Interfonou para o morador do terceiro andar, mas este não atendeu. Conclui, então, que era ele que estava lá embaixo com os moradores do terceiro, do quarto e do quinto andar. Resolveu descer também.
O morador do primeiro andar abriu a janela e viu seis homens lá fora. Interfonou para o morador do segundo andar e não obteve resposta. Também chegou a conclusão de ele havia descido junto com os outros três moradores dos andares superiores. Abriu a porta e foi ao encontro deles.
O morador do andar térreo, vendo sete homens lá fora, interfonou para o morador do primeiro andar e não conseguiu falar com ele. Percebeu, neste momento, que ele estava lá fora com os outros quatros moradores! Imediatamente foi até eles.
Quando se encontravam todos juntos, um dos bombeiros falou:
- Senhores, há quase um quarto de hora estamos tentando entrar em contato com alguém do edifício. Já estávamos prontos para derrubar os portões.
- Como assim? Explique-nos o que está acontecendo!
- O centro nacional de monitoramento de terremotos lançou alerta indicando que essa área sofrerá abalos sísmicos de alta magnitude em poucas horas. O risco de sermos atingidos é iminente! Tem mais alguém no prédio?
- Não, estamos todos aqui.
-Vamos sair daqui imediatamente.
Os seis moradores foram colocados dentro da viatura e levados para um abrigo seguro.

 

 

   

 
Conto publicado no livro "Contos Fantásticos" - Junho de 2018