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Ismar Carpenter Becker
Rio de Janeiro / RJ

 

Festa de arromba

 

Relembrando os anos sessenta da jovem guarda, da contracultura, da juventude transviada, das domingueiras, dos bailes e do rock’n’ roll; por isso resolvi convocar meus amigos da juventude e dar uma festa para relembrar os bons tempos dos anos dourados. Mandei e-mail, telefonei, telegrafei e usei a velha carta convocando a rapaziada para a festa de arromba, e assim foi.
 Aluguei o salão, limpei os velhos discos, arrumei o som, a bebida (cuba libre), marcou dia, hora e local e esperei com ansiedade chegada da moçada. Como os anos foram passando depressa... E foi chegando gente e mais gente. Quem chegou primeiro foi o Marcelo, cabelos brancos, barrigudo, barba grisalha, no rosto rugas imposta pelo tempo que não espera; mas tudo bem, depois foi a vez do Alfredo chegar tossindo, pigarreando, andando com dificuldade e equilibrando-se numa bengala. Aí pensei: pode ser uma exceção, não se cuidou. A festa inicia, chega a Marcela que era a nossa musa, linda, cobiçada por todos, havia até torcida para ver quem iria namorá-la; só que com o passar dos anos, ela estava totalmente modificada, cabelos pintados, celulite até nas pálpebras dos olhos, engordou uns trinta quilos, estava um bucho, suas mãos enrugado parecendo maracujá de gaveta; tudo bem é o peso dos anos. E foi chegando gente. É a vez de Margarida que chega à festa de cadeira de rodas, tinha tomado um suco de açaí e uma bactéria entrou em seu organismo através de uma afta bucal que a deixou paralisada; então perguntei: E João, tão alegre, tão pândego? Disseram: morreu. Votou no P A três vezes e enfartou. Puxa, pensei... É a vida. E continua a festa de arromba quem chega e a  Vania, a CDF. Enquanto dançava declamava Manuel Bandeira, defendia a UDN, dava vivo a Carlos Lacerda, o “corvo”, e a Jânio Quadros. Mando que ela leia as capas dos discos, mas sua catarata a impede, não enxerga as letras dos long-plays e pede ajuda a Marieta que está com mal de Parkinson. Enfim, as marcas do tempo tinham chegado. E as músicas iam rolando ninguém se animava a dançar, a energia de outrora já não era uma duracel, a conversa era outra, girava em torno de remédio de reumatismo, quem toma quem tomou médicos, exames, consultas. As velhas recordações eram renegadas ao segundo plano, a música rolou e as histórias do passado ficaram só nas lembranças de cada um. Bem, agora vou tomar meu remédio da pressão; Ai que saudade da aurora da minha vida! Tof, tof, tof, tof; acho que também tomarei uma colher de xarope com mel e agrião.

 

 
 
Conto publicado no livro "Contos Fantásticos - Edição 2016" - Setembro de 2016