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Maria Rita de Miranda
São Sebastião do Paraíso / MG

 

Tralhas

 

Nada contra guardar pertences. Eu mesma acumulo nos armários objetos que sei de nada me servirão. Alguns nem têm valor sentimental. Guardo-os pelo simples fato de não saber o que fazer com eles. Jogar fora, ai que dó! Estão ali a sibilar num som prolongado como se pudessem, a qualquer momento, fazer com que nossas vidas saiam do presente e nos remetam a fatos passados a nós agregados e sedimentados.
          Também, se levarmos em conta que nossa história de vida é formada de fragmentos que se juntam, compreendemos que somos mesmo inerentes a eles. Alguns objetos passam meses ou até anos despercebidos. Só quando, naquela limpeza doméstica, que nos faz remover literalmente para fora do armário tudo que possa acumular poeira para ser limpo, é que pensamos espantados: nossa, eu nem me lembrava de que tinha isso ou aquilo guardado!
           Certa feita resolvi abrir algumas caixas de roupas de festa que usei em determinadas datas. De primeira, apareceu meu vestido de noiva com véu e grinalda, todo amarelado, tamanho P, que fazia jus ao meu antigo apelido de magrela. Com ele esticado sobre a cama, num impulso peguei o álbum de fotos preto e branco do casamento. Revivi momentos de grande ilusão: entrada na igreja ao som de Because I love, a simplicidade do evento e minhas expectativas da nova vida que passaria a ter.
          Um conjunto de linho amarelo, que se conservava como novo, me remeteu ao aniversário dos 15 anos de minha primeira filha. Festa de jovens num dia muito frio de julho. Procurei então pela roupa usada nos 15 anos da filha mais nova. Não o encontrei. Aí me lembrei de que esse não havia sido guardado. Por coincidência era também amarelo e foi muito usado posteriormente à festa. Perdeu-se no tempo. Outro traje amarelo, eu devia gostar muito da cor, mais antigo ainda, usado no meu baile de formatura, me veio à memória apesar de não tê-lo conservado. Era de cetim italiano, longo, lindo e que valeu, quarenta e tantos anos depois, um elogio de um amigo do teatro amador, que disse que quando eu entrei no salão do baile com o vestido amarelo, ele viu  um quadro que não se apagou de sua memória. Foi um elogio emocionante que recebi.
          Mais dois vestidos lindos, longos e como novos a me trazer lembranças dos casamentos de minhas filhas, foram alvo de longas recordações. O que fazer com tudo aquilo? Guardei-os outra vez como se guarda e não se desvencilha de caras lembranças.
          Ainda tenho cadernos da minha época de estudante. Às vezes os folheio, leio algum conteúdo. Como têm valor sentimental! Não quero descartá-los. Acomodo-os sabendo que por muito tempo, ficarão ali inertes.
          Os cartões de natal, aniversário e mensagens a mim dirigidos, também estão acondicionados num grosso álbum. Gosto de folheá-lo, pois ali se encontram pessoas que passaram por minha vida ao longo de anos a fio, deixando cada uma delas uma impressão indelével em mim.
          Outro dia, estando na casa de uma irmã, uma funcionária apareceu na sala com alguns brinquedos antigos dizendo: - vejam o que encontrei no fundo do armário que estava limpando. Falei que também tinha vários brinquedos de minhas filhas, aguardando o parecer delas, que nunca chegava, para deles me desvencilhar. Peguei das mãos da moça uma boneca que apesar do tempo, mantinha uma linda carinha a me olhar. Era a boneca Gui Gui, que algumas pessoas podem até se lembrar. Abri seus bracinhos, ela movimentou a cabeça e soltou o som agradável de sua risadinha. Lembrei-me então da propaganda da época: “que risada mais alegre e divertida tem a Gui Gui”...
          O tempo passa e nos modificamos, mas a essência seja no meio de objetos guardados ou apenas na memória daquilo que vivemos, jamais se apagará de nossas vidas e sempre dará um sentido a elas. 

 

 
 
Conto publicado no livro "Contos Fantásticos - Edição 2016" - Setembro de 2016