Primeira vez neste site? Então
[clique aqui]
para conhecer um pouco da CBJE
Antologias: atendimento@camarabrasileira.com
Produção de livros: cbje@globo.com
Contato por telefone
Antologias:
(21) 3393 2163
Produção de livros:
(21) 3547 2163
(21) 3186 7547

Reynaldo Formaggio
São Sebastião do Paraíso / MG

 

Vidal, Severina, Joaquim mais Zefa

 

 

               Vidal era paulista e tinha uma bela história de superação. Havia saído do interior ainda menino e venceu na capital como contador, advogado e funcionário público; função em que permaneceu até sua merecida aposentadoria.
                Então Vidal decidiu colocar a mochila nas costas e fazer o que sempre teve vontade: conhecer todo o Nordeste do Brasil!
                Vidal também possuía uma característica marcante: seu bom humor! Adorava fazer novos amigos e pregar peças, não necessariamente nessa ordem. Perdia o amigo, mas não perdia a piada! Talvez tivesse se aprimorado na arte da brincadeira nos anos de convívio com seu amigo João Rubinato, aquele que ficaria nacionalmente conhecido como Adoniran Barbosa! Tudo na maior classe e elegância, sem perder a ternura, jamais!
                Foi em Porto Real do Colégio, lá pras bandas das Alagoas, que o gazeteiro quase deu com os burros n’água, literalmente!
                Vidal resolveu conhecer a cidade de Penedo e, depois de conferir as opções de locomoção, decidiu-se: iria de barco, como faziam os ribeirinhos e moradores das cidades, povoados e currutelas às margens das águas do Velho Chico...
                Sairia às 4 da matina, com previsão de chegada para muitas horas depois do ônibus que faria o mesmo trajeto, mas com prazeres inversamente proporcionais- mais tempo, mais histórias e possibilidades de pregar alguma peça.
                Pois bem, a viagem transcorria calmamente e foi em uma das inúmeras paradas do barco, onde entrava gente trabalhadora em meio a galinhas, porcos e até bodes, que embarcou a Dona Severina! Simpática e desconfiada senhorinha que se sentou exatamente em frente ao brincalhão Vidal.
                Os bancos da embarcação ficavam em suas laterais e seus ocupantes viam as plácidas águas do caudaloso rio passando, à mesma medida em que colocavam a prosa em dia e até realizavam suas negociatas e escambos.
                Menos Dona Severina, que com seus cabelinhos já branqueados pelo tempo e presos em um coque, não tirava os olhos do Vidal.
                Vidal, apesar de paulista, apresentava compleição muito semelhante ao do típico nordestino.
                E é aí que morava o problema!
                Dona Severina assuntou, assuntou, até que criou coragem e perguntou, dirigindo-se ao companheiro de viagem:
                - Lhe conheço?
                - Sei não! – respondeu Vidal, já imitando o sotaque característico “nordestinês”, tão gostoso de se ouvir. E claro, já tramando alguma para surpreender a desconfiada passageira com uma de suas brincadeiras.
                Mais um breve intervalo de tempo se passou e Severina, não se contendo, manda mais uma:
                - De onde vem o “moço”?
                -De ‘Culégio’! – respondeu o já nordestino Vidal.
                A intrigada senhorinha tinha certeza, ali dentro de sua cacholinha, que conhecia sim, nosso personagem, e ele, já encarnando o piadista, se deliciava ao se passar por um possível conhecido de Severina. E o melhor! Sem precisar mentir uma única vez! Afinal, ele vinha mesmo de Colégio, como tratavam os habitantes daquela simpática cidadezinha perdida às margens do São Francisco...
                - Me ‘digue’, de quem o moço é filho? – foi a cartada final de Severina para desvendar o “mistério”.
                - De Joaquim mais Zefa! – respondeu Vidal, já se contorcendo por dentro, de vontade de rir!
                - Conheço demais! – a agora sorridente Severina.
                Olhos arregalados de Vidal.
                - Fiz muito negócio com o senhor seu pai! E como vai a senhora sua mãe? Faz tanto tempo que não lhe vejo!
                E para encerrar a prosa e não correr o risco de ser pego, Vidal disse que precisava falar com o condutor do barco e pediu licença, assim, meio avexado...
                Logo Dona Severina saltou do barco, não sem antes acenar para o Vidal e gritar, já no barranco onde o barco encostou:
                - Dê lembrança a seus pais! Diga que Severina ‘das farinha’ está devendo uma visita!
                Vidal só acenou e deu um risinho meio sem graça, aliviado por não ter estendido a conversa com a Dona Severina e corrido o risco de ser arremessado nas águas do São Francisco!
                O barco seguiu viagem e Vidal se prometeu não tentar pregar mais nenhuma peça! Pelo menos até a próxima parada...

 

 

 

 
 
Conto publicado no livro "Contos Fantásticos - Edição 2016" - Setembro de 2016