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Sergio Tavares
Maceió / AL

 

Uma promessa sincera

               

      Enquanto corria, Tchekovinsk lembrava-se das notícias que recebera de um velho amigo, que servira com ele em La Bonek, seu antigo quartel, eram novidades sobre Podresk. Segundo investigações, haviam indícios de desvio de verba na prestação de contas de seu ex-chefe, e de supostas contratações sem licitação para algumas obras portuárias.
            - Ele, agora, deve ter perdido um pouco daquele orgulho, da prepotência e, se tornado um ser humano mais humilde! - pensou Tchekovinsk.
            Quando terminou sua corrida rústica, abriu uma cerveja para se hidratar, e foi para o fundo do quintal, admirar sua pequena plantação. Começou, então, a escavar a terra para plantar uma muda de pimenta malagueta. Adorava colocar as mãos na terra preta, e prepará-la como um alquimista para torná-la fértil. Enquanto mexia nos torrões esfarelando-os entre os dedos, percebeu que o suor pingava de sua testa sobre umas raras minhocas, que estavam repovoando o jardim.
            - Graças a Deus a vida está retornando nesta terra degradada pelo homem! - murmurou surpreso.
            Tchekovinsk  lembrou-se de quando Dona Melinova, sua mãe, começou a perder a memória, e enfraquecer antes de morrer. O sonho da matriarca era ter um pequeno terreno para cuidar, e viver tranquila até o fim dos seus dias. Ele se sentou sobre um tronco, debaixo de um caramanchão de maracujazeiro carregado de frutos, e imaginou como o tempo resumira sua memória a raríssimos flashs.
            Lembrou-se das épocas de dificuldades que passara, quando a inflação também assolava o país, e o Senhor Karpov, seu pai, fazia alguns biscates para manter a família. Naquele tempo, com o desabastecimento nos supermercados, o povo fazia filas para comprar feijão, carne e arroz. A vida no Brasil era uma carestia, como uma bola de neve, onde todo mês os preços aumentavam. Sua mãe começou, nessa época, a costurar algumas roupas, shorts e camisas, para vender, a fim de ajudar no orçamento doméstico.
            Eram tempos difíceis, que faziam seu pai, um soldado Ucraniano aposentado, se dizer arrependido de ter vindo de Moscou para o Brasil, após o desmoronamento da antiga União Soviética.
            Tchekovinsk  lembrou-se de seus irmãos, sentados à mesa para o almoço de domingo. Ivan, Lenin, Nikita e Mickail, vieram todos pequenos para o Rio de Janeiro, e, com esta mudança drástica, tiveram dificuldades de adaptação, mas sobreviveram.
            Sua cerveja havia acabado, precisava de outra, estava sedento. Gostava de vodka, mas não tinha nem um gole em casa. Levantou-se e foi pegar outra bebida, sorrateiramente, enquanto Eva dormia com a pequena Krupskaya no quarto dos fundos.
            Onde estariam seus irmãos atualmente? Certamente em Moscou. Queria abraçá-los, mas sabia que eles não estavam mais ao alcance de seus limitados braços.
            Nesses momentos, de saudade, conseguia se livrar de sua armadura de adulto, e voltava a ser o menino humilde que corria para o colo de sua mãe, chorando, quando precisava de ajuda. Nessas horas, ele conseguia ser quem verdadeiramente era em seu íntimo.
            Agora, por ironia da vida, apesar de gostar de correr para se exercitar, não tinha mais para onde correr quando precisava chorar. Sentia-se sozinho no mundo, como um pássaro fora do ninho. Não conseguia entender porque a vida o tornara um homem adulto, envelhecido, de cabelos e barbas quase totalmente brancas, se ele preferia ser aquele antigo menino, que não mais seria... nunca mais.
            Lembrou-se do dia em que perguntou para sua mãe, se não poderia ser criança para sempre.
            - Mas você não quer crescer e ser um adulto, ser um grande médico pra cuidar da sua mamãe?
            Depois de pensar um tempo, o pequeno Tchekovinsk disse:
            - Quero crescer mamãe, eu vou cuidar pra sempre de você quando ficar adulto. Eu prometo que nunca vou te abandonar!
            Sentia-se, agora, arrependido por não ter cumprido sua melhor promessa.
            A mais sincera promessa que fez em toda a sua vida.

 

 
 
Conto publicado no livro "Contos Fantásticos - Edição 2016" - Setembro de 2016