Conto publicado no livro "Contos do Outro Mundo" - Edição Especial - Janeiro de 2014

Maria Rita de Miranda
São Sebastião do Paraíso / MG

O morto vivo

Você pode não acreditar. Mas um fato semelhante a este aconteceu...
Joel é um rapaz bem apessoado, moreno, de estatura mediana, um tipo comum sem muitos atrativos que o torne especial. Vive com sua família num bairro periférico. Trabalha como serralheiro durante toda a semana e aos sábados e domingos se afasta dos seus. Enturma com os amigos saindo na manhã do sábado para passar, na praia, um dia preguiçoso. Dali mesmo estica a noite em baladas que duram até o raiar do sol. Depois destas fugas, só aparece em casa domingo à noitinha, para recomeçar o trabalho na segunda feira de manhã.
Dona Marta tem mais dois filhos: Maciel, o mais velho e Ariela, a caçula. Apesar do dinheiro parco e das discussões de Dona Marta com Joel, por não concordar com suas noitadas nos finais de semana, até que formam uma família bem estruturada. Nunca comentam sobre o pai. Este abandonou a companheira durante a última gravidez e não deu mais notícias. Os dois irmãos cresceram revoltados e decidiram ignorar que um dia tiveram pai. A dor se perdeu no tempo.
Num destes finais de semana, Dona Marta como sempre estava apreensiva. Escutava tantas notícias de violência que passava estes dias rezando pelo filho pedindo para que tomasse juízo, apesar de Joel protestar que o tinha de sobra. Ainda de manhã, no domingo, foi surpreendida por um policial trazendo-lhe a notícia do assassinato do seu filho.
Dona Marta foi tomada de tamanho desespero que se sentiu mal tendo de ser amparada pelos outros filhos e pela vizinhança que curiosa, já acotovelava dentro da pequena sala de estar.
-Sinto muito, disse o policial. Eu conhecia o Joel e sei que era um bom menino. Seu assassinato deve ter sido um engano. Foi esta madrugada lá pela beira do mangue que o encontramos. Tiro certeiro, morte instantânea.
-Isto é um erro, gritou Maciel. O Joel nunca andava sozinho. Como pode ter se afastado de seus amigos? Ele nunca faria isto.
-Vocês precisam reconhecer o corpo.
Saíram os três de casa. A mãe trespassada pela dor abraçava fortemente os filhos, como a pedir amparo. Viram o corpo do rapaz deitado num balcão de pedra. Olharam de relance e confirmaram: é mesmo o Joel. Saíram apressados dali, como a fugir de uma realidade que não queriam aceitar.
Alguns parentes ajudaram nos preparativos do velório e o corpo foi levado à tarde para o cemitério mais próximo. Um ou outro conhecido foi para lá e outros ficaram mexericando sobre a violência, a falta de sossego, o assassinato do jovem vizinho.
De repente, no meio deste burburinho, uma senhora fala assustada: - Valha-me Deus, é ele!
Olham daqui, olham de lá e avistam o Joel em pessoa, chegando feliz a casa depois da algazarra do final de semana. O rapaz se espanta diante dos olhares amedrontados. - O que aconteceu? Diz ele. Silêncio total. - O que foi? Tornou ele.
Uma das senhoras disse aos tropeços: - Joel, você está sendo velado no cemitério aqui perto. Você não foi assassinado?
Joel não escutou mais nada. Correu até o cemitério e se apresentou: - Mãe!
Dona Marta deixou o soluço de lado e olhou abobalhada para o filho. Abraçou-o sem, no entanto, tirar os olhos do defunto.
-Mãe quem é este aí?
-Meu filho, que engano estarrecedor. Veja você mesmo como se parecem. Na dor que estávamos sentindo nem demos pela falta da pinta de sua orelha esquerda.
A família estava novamente reunida. Outra mãe seria enlutada pela morte do filho.
-Vamos meus filhos. Que Deus proteja a família do morto, mas agora o caso é com a polícia.

Prestigie o novo
Autor Brasileiro!!!
 
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