Maria Rita de Miranda
São Sebastião do Paraíso / MG
O
morto vivo
Você pode não acreditar. Mas um fato semelhante
a este aconteceu...
Joel é um rapaz bem apessoado, moreno, de estatura mediana,
um tipo comum sem muitos atrativos que o torne especial. Vive com
sua família num bairro periférico. Trabalha como serralheiro
durante toda a semana e aos sábados e domingos se afasta dos
seus. Enturma com os amigos saindo na manhã do sábado
para passar, na praia, um dia preguiçoso. Dali mesmo estica
a noite em baladas que duram até o raiar do sol. Depois destas
fugas, só aparece em casa domingo à noitinha, para recomeçar
o trabalho na segunda feira de manhã.
Dona Marta tem mais dois filhos: Maciel, o mais velho e Ariela, a
caçula. Apesar do dinheiro parco e das discussões de
Dona Marta com Joel, por não concordar com suas noitadas nos
finais de semana, até que formam uma família bem estruturada.
Nunca comentam sobre o pai. Este abandonou a companheira durante a
última gravidez e não deu mais notícias. Os dois
irmãos cresceram revoltados e decidiram ignorar que um dia
tiveram pai. A dor se perdeu no tempo.
Num destes finais de semana, Dona Marta como sempre estava apreensiva.
Escutava tantas notícias de violência que passava estes
dias rezando pelo filho pedindo para que tomasse juízo, apesar
de Joel protestar que o tinha de sobra. Ainda de manhã, no
domingo, foi surpreendida por um policial trazendo-lhe a notícia
do assassinato do seu filho.
Dona Marta foi tomada de tamanho desespero que se sentiu mal tendo
de ser amparada pelos outros filhos e pela vizinhança que curiosa,
já acotovelava dentro da pequena sala de estar.
-Sinto muito, disse o policial. Eu conhecia o Joel e sei que era um
bom menino. Seu assassinato deve ter sido um engano. Foi esta madrugada
lá pela beira do mangue que o encontramos. Tiro certeiro, morte
instantânea.
-Isto é um erro, gritou Maciel. O Joel nunca andava sozinho.
Como pode ter se afastado de seus amigos? Ele nunca faria isto.
-Vocês precisam reconhecer o corpo.
Saíram os três de casa. A mãe trespassada pela
dor abraçava fortemente os filhos, como a pedir amparo. Viram
o corpo do rapaz deitado num balcão de pedra. Olharam de relance
e confirmaram: é mesmo o Joel. Saíram apressados dali,
como a fugir de uma realidade que não queriam aceitar.
Alguns parentes ajudaram nos preparativos do velório e o corpo
foi levado à tarde para o cemitério mais próximo.
Um ou outro conhecido foi para lá e outros ficaram mexericando
sobre a violência, a falta de sossego, o assassinato do jovem
vizinho.
De repente, no meio deste burburinho, uma senhora fala assustada:
- Valha-me Deus, é ele!
Olham daqui, olham de lá e avistam o Joel em pessoa, chegando
feliz a casa depois da algazarra do final de semana. O rapaz se espanta
diante dos olhares amedrontados. - O que aconteceu? Diz ele. Silêncio
total. - O que foi? Tornou ele.
Uma das senhoras disse aos tropeços: - Joel, você está
sendo velado no cemitério aqui perto. Você não
foi assassinado?
Joel não escutou mais nada. Correu até o cemitério
e se apresentou: - Mãe!
Dona Marta deixou o soluço de lado e olhou abobalhada para
o filho. Abraçou-o sem, no entanto, tirar os olhos do defunto.
-Mãe quem é este aí?
-Meu filho, que engano estarrecedor. Veja você mesmo como se
parecem. Na dor que estávamos sentindo nem demos pela falta
da pinta de sua orelha esquerda.
A família estava novamente reunida. Outra mãe seria
enlutada pela morte do filho.
-Vamos meus filhos. Que Deus proteja a família do morto, mas
agora o caso é com a polícia.