Beto Acioli
Recife
/ PE
Da
vida à vida
Aos 92 anos de idade, viúva, mãe de três filhos,
ainda lúcida, Dona Vera, deitada numa rede, na varanda duma
pousada, na Praia de Pipa, no Rio Grande do Norte, rememora os tempos
de juventude e faz um retrospecto da sua história:
Aos 16 anos, filha mais velha de mãe solteira, morando numa
periferia denominada ”Bode”, bairro do Pina, em Recife,
começara a trabalhar muito cedo, ajudando sua mãe que
era catadora de mariscos e pescadora. Avida não era muito fácil
pra Vera, que dividia seu tempo em trabalhar e frequentar a escola.
Ainda lhe sobrava as tarefas domésticas além de cuidar
dos quatro irmãos menores. Apesar das dificuldades que enfrentava,
Vera era uma garota sonhadora, como as demais de sua idade, era bonita
e vaidosa.
Vera era uma bela garota negra, muitíssimo simpática,
de corpo bem desenhado, olhos negros e cabelos trançados. Aparentava
ter um pouco mais de idade, não só devido ao corpo,
mas também pela desenvoltura em falar, chamava atenção
por onde passava. Seu olhar penetrante parecia ser magnético
e encantava os rapazes de sua idade e homens mais velhos com quem
ela falasse. Vera não sentia vergonha do que fazia nem da vida
que levava, acreditava que tudo melhoraria num dia, até que,
ao completar a maioridade, recebeu um convite para trabalhar numa
agência de moda, iria ser modelo. Era tudo que ela sonhara ser.
Queria conhecer gente nova, lugares novos, culturas diferentes e todo
glamour dos estúdios e passarelas, tudo pra ela agora era novo
e promissor, queria se dedicar na carreira de modelo e crescer. No
primeiro ano Vera trabalhou muito, foram muitas campanhas publicitárias
e eventos. Idas e vindas sempre era assediada por agentes e fotógrafos,
mas nem ligava, fazia parte daquele meio. O dinheiro que ganhava mantinha
a sua mãe, que já não mais precisava trabalhar
catando mariscos no mangue, a se manter e também a pagar sua
faculdade, fazia o curso de Administração de Empresas,
porém, adiante, o destino havia lhe armado uma peça.
Depois de quase dois anos de trabalho, Vera, que há muito tempo
recebia propostas para vender seu corpo e que sempre havia recusado,
agora se sentia na necessidade de fazê-lo, as coisas haviam
mudado para ela, sua ambição em crescer era maior que
sua resistência e ali ela ingressava no difícil mundo
da prostituição. No começo foi tudo muito difícil,
mas Vera não demorou muito para aceitar essa condição,
afinal as coisas fluíam melhor daquela forma, acreditava ela,
porém, como tudo tem seu tempo, um dia Vera não servia
mais para a agência e fora dispensada.
Sem querer mais voltar pra vida de privações que passara
ajudando sua mãe em seu árduo trabalho, Vera decide
continuar com que escolheu para ela e passa a frequentar o calçadão
da Praia de Boa Viagem a fim de conquistar novos clientes, começava
ali a fase mais difícil de sua vida. Tinha ainda muito medo
de sair com homens desconhecidos e conhecia todos os perigos de sua
profissão, mesmo assim teimava em continuar, pois pensava em
dar um conforto melhor para sua mãe e sua família.
Por mais de seis anos, Vera, aos trancos e barrancos, ainda levava
aquela vida, porém muitas coisas ruins teriam acontecido nesse
ínterim, teria sido agredida algumas vezes, ficado sem receber
o pagamento pelos seus serviços etc. A ideia já não
era a mesma e ela já pensava em desistir daquela vida, afinal
já havia se formado, até que num dia se deparou com
um inglês que a contratava para um programa. Ele mal falava
o português, mesmo assim conseguiam se entender. Ele era gentil
e atencioso com Vera, nem parecia que estar diante de uma prostituta.
Vera parecia encantada com tamanha consideração e carinho
que aquele homem que a mal conhecia lhe prestava. Seu nome era John,
era alto, simples e educado. Trabalhava como pedreiro, em Londres
e, no inverno, sempre passava quase seis meses de férias no
Brasil e nesse tempo, Vera e John se envolveram... Ela já nem
procurava mais clientes, nem dava tempo... John a queria todos os
dias, parecia ter se apaixonado, com ela não foi diferente,
se sentia feliz e segura ao seu lado, mas sabia que logo suas férias
acabariam e junto com elas seu sonho estancaria. John não demonstrava
essa preocupação, mas estampava em seus olhos o fogo
de uma paixão, isso era muito nítido.
Seis meses passados é chegada a hora da partida de John e para
a surpresa de Vera, John a convida para ir com ele... Logo providencia
os documentos e, depois de alguns dias eles partem. Seria mais uma
peça que o destino preparava para Vera? Que garantias ela teria
estando tão longe de suas origens? Mesmo com receio ela arriscou,
já havia passado por muitas e uma a mais não iria fazer
tanta diferença.
Passaram-se quase seis meses e o visto de Vera estava perto de expirar,
John não pretendia passar novas férias no Brasil, pois
teve gastos extras nos últimos seis meses, ele a mantinha de
tudo, ainda ajudava a mandar dinheiro para a mãe dela e estava
disposto a não largá-la tão cedo, os dois estavam
bastante envolvidos e apaixonados, então decidem casar e resolver
assim a permanência de Vera em Londres. Para ela parecia ser
um sonho... Já nem mais tinha essa esperança antes de
conhecê-lo.
E assim a vida seguiu para os dois, tiveram três filhos, Vera
começou a estudar, aprendeu o idioma e conheceu outros países.
Voltou muitas vezes ao Brasil e numa delas também se casaram
aqui.
Certo dia, com sua mãe doente, Vera precisa voltar para o Brasil
e passa um tempo maior para poder cuidar da sua mãe que falece
após 3 meses e ela precisa permanecer aqui pra cuidar dos irmãos.
John vem somente nas férias.
Sem querer ficar muito tempo longe de sua amada, John começa
a planejar um negócio aqui no Brasil e dois anos depois, consegue
montar uma pousada na Praia de Pipa/RN que em seguida vem para ficar
de vez.
Por longos anos a pousada foi a fonte do sustento da família,
criaram e formaram os filhos, viajaram de férias, etc.
John faleceu aos 55 anos, vítima de um câncer. Vera tocou
a vida com os três filhos e até hoje, juntos, administram
a pousada.