Neri
França Fornari Bocchese
Pato
Branco / PR
Lá
nos confins do Paraíso
Conta-se que certa vez num vilarejo do interior
do Brasil, um senhor, muito gozador, sempre brincava:
- Um dia, quando eu morre,r quero verificar o que há lá
pelos confins dos céus. Deve ser muiiiito grande! Tem que ser
muito bom também, já que todos querem ir para lá!
- Repetia sempre nas rodas de chimarrão.
Quando finalmente o dia chegou, ninguém lamentou a sua morte,
pois ele era sozinho nesse Mundão de Deus. Porém todos
que foram ao velório indagavam como estaria sendo a visita
do Tonhão lá pelas paragens celestiais.
O Tonhão até sorriu no caixão. Pena que ninguém
estava olhando para ele e, assim não perceberam o sorriso de
alegria em seus lábios .
– Há seu pudesse fazer- me ouvir. - Disse. Foi lembrando
e falando. Mas como ainda não sabemos ouvir a voz da alma.
. .
Depois de um tempo vagando por lá, estava difícil achar
o caminho. . . Tonhão até pensou em voltar a viver por
aqui mais um tempo.
Quando finalmente encontrou à porta, se fez de rogado, quis
entrar pelo Portal principal, a chamada porta Magna. Esses muros iguais
as primeiras cidades, com o guarda a rigor, até com o escudo,
a espada desembainhada, estava em prontidão. Bandeiras hasteadas,
de todos os países, cujos representantes da Terra angariaram
um espaçozinho no sítio do Senhor. Estranhou tanta segurança.
Conversou ele, com o Anjo Guardião:
- Eu sempre fui um bom sujeito. Posso entrar? - Nem esperou a resposta,
já estava do outro lado da Muralha. Continuou falando:
- Nunca fiz mal a ninguém, nem maltratei nenhum Filho de Deus.
Até as formigas, eu deixava alimentarem-se da minha roseira,
pois elas também precisam viver. Claro, elas não comiam
ali na minha frente transportavam folha por folha para o formigueiro.
Para não me comprometer, nem casei, assim não precisei
brigar nem com a mulher, nem com os filhos.
- É - disse o Anjo - aí está o problema, quem
não briga por não ter ninguém para se encrencar,
não tem lá grandes méritos. O bom é acordar
todo dia com alguém ao seu lado, dividir tudo, até o
cobertor. Aguentar as ranzinzices do outro, saber conviver. Mas enfim
cada um tem as suas opções. Todas elas oferecem oportunidades
de crescimento. Ser sozinho, não ter quem faça um chá
quando se está doente. . . Nem com quem conversar num fim de
tarde, não deve ser muito bom. Ponderou o Anjo.
- É . . .Falou o Tonhão, não ter ninguém
para alcançar uma fatia de pão. . . Como escolhi viver
sozinho fui me acostumando. Até nem gosto de muita gente ao
meu redor, cada um querendo alguma coisa.
O Anjo disse: – Então está complicado, você
veio pro lugar errado. O que não falta por aqui é gente
e muita gente. Como eles não têm nada para fazer com
hora marcada não há pressa, estão sempre procurando
uma ocupação nem que seja a de falar com alguém.
Tonhão mudou de assunto.
- Eu quero conhecer os confins do Paraíso. Prometi isso lá
na Terra. Não posso decepcionar meus amigos.
- Vou conseguir um Anjo Guia pra ti.
- Eu queria ir sozinho.
- Não. - Falou o Anjo.- Chega de ser sozinho. Também
você pode se perder não saber voltar. Não posso
me responsabilizar. Não sei o que você vai encontrar
antes do Fosso que cerca e protege os confins do Paraíso. Não
temos por aqui nenhum mapa. Só temos hoje, disponível
um Anjo ainda menino para ser o teu guia. Os outros já estão
trabalhando. Muita gente logo que chega quer conhecer tudo. Como se
conhecer o lugar fosse o mais importante. Pensam que ainda estão
na Terra. Mas não se preocupe esse Anjo-menino e muito bom
vive caçando ou pescando por ai.
Com um assobio, chegou o menino que seria uma espécie de Guia.
Discutiram se começavam pelo Norte ou iam em direção
Leste primeiro. Tonhão não havia perdido o costume de
ser o dono da última palavra,
Enfim chegaram num acordo e foram pelo Oeste. Aos poucos o Sol começou
a se pôr. A paisagem era muito bonita. Tudo era novidade. Encontraram
uma grande Floresta. Chegava dar arrepios de tão escura que
era. Logo anoiteceu. Precisaram subir numa árvore. Era mais
protegido. O Anjo voou e se acomodou numa forquilha confortável,
Tonhão destreinado e desengonçado, pois estava um tanto
gordinho precisou de muito incentivo para escalar a bela árvore
um pé de seringueira.
Lamentou. - E, ainda dizem que o céu é um Paraíso,
não se precisa fazer nada.
Pare de falar e durma. Eu estou com sono.
Mal o Sol pensou em enviar seus raios, o Anjo acordou o Tonhão.
Puseram-se a caminhar. Engraçado, não tinham fome. Decerto
aqui não é preciso se alimentar. Caminhar, também
era diferente, quase como se estivessem voando. Não era preciso
fazer esforço físico. Andaram mais uns dois dias, entre
florestas, cerrados, campos. Encontraram um deserto muito quente.
O Anjo disse: - vamos apurar porque aqui não dá para
pousar, é muito perigoso. Aparecem cobras, forças ocultas.
- Parece que estou com sede. A minha boca está seca.
- É só impressão por causa do calor. Você
parece que ainda vive com um pé na Terra. Quando eu puder arrumo
um cantil. Vou te pegar pela mão e te ensinar a voar. É
só não ter medo e confiar.
Depois de muito treino conseguiu, mas apenas voos rasantes. Passaram
por regiões montanhosas cobertas de gelo. Tonhão chegou
a sentir frio. Havia cada penhasco perigoso. Nesse lugares o Anjo-menino
o pegava pela mão.
- Por que você me protege tanto?
Sou responsável por ti. Tenho que te devolver como quando começamos
a viagem. - Acho que não quero mais conhecer, nada.
- Aqui quando nos propomos a uma ação não podemos
desistir. Se não daqui algum tempo você vai querer repetir
e daí complica tudo. Não falta muito. Está vendo
lá looonge o horizonte?
Não tem coloração alguma. Lá se localiza
os confins do Paraíso. Depois de mais um dia de viagem chegaram.
Não havia vida. Nem cor alguma. Apenas um vazio, cor de breu.
Sem esperança. . .
Aqui é o nada, não há mais nada além.
Sentaram-se numa pedra desengonçada, ora parecia quente, outras
muito fria. Foi difícil descansar um pouco. A sensação
de incerteza de medo era grande. O Anjo parecia estar acostumado.
Com certeza estivera outras vezes no mesmo lugar.
Olhou para o Tonhão e com sabedoria, falou:
- Muitas vezes procuramos o que não queremos encontrar. A insatisfação
com o que temos nos leva a esses lugares. É preciso gostar,
amar, aquilo que é nosso. È preciso saber, ser feliz,
apreciar as boas coisas que temos. Não estar sempre querendo
mais. Ser um eterno descontente.
Vamos voltar?? Agora vai ser rápido. Você já está
costumado por aqui. Já conhece o caminho. Feche os olhos, segure
na minha mão e vamos. Quando eu disser abra os olhos, faça.
Não abra antes, pois poderá cair.
Com a lição aprendida, ele obedeceu. Se pudesse viver
outra vez seria diferente. Prometeu para si mesmo. Deixaria de ser
tão curioso.
Voltaram. Tonhão, como não tinha família foi
morar sozinho.
Acabrunhado custou a fazer amizade no recanto do Paraíso que
lhe coube.
Depois de muito tempo chegou um seu compadre, só de coração
e, então os dois passaram a morar juntos. O céu agora
ficou mais aconchegante. Passou a ser o Paraíso.