Romilton Batista de Oliveira
Itabuna / BA

 

 

A experiência que constrói o ser

 

           

                Uma história, uma crônica, um texto a escrever nas margens da experiência que atravessou o belo e rico atlântico do saber. A experiência constrói o ser, sem dúvida. Somos seres interpelados por este contínuo processo que neste momento me faz escrever, ou melhor dizendo, digitar sobre o teclado, movido pela forte presença de um desejo interior, oriundo da potência daquilo que eu chamo de “experiência”.
                O ar, o vento, a terra, as coisas do presente e do devir são coordenados por este inevitável fio de construção humana: a experiência. Toda a natureza física e humana não se faz fora desta misteriosa forma de construção humana. Desde os tempos primórdios, o homem vem sendo construído, reconstruído e até mesmo desconstruído por meio de sua experiência.
                Muitos escritores movidos por esta fonte genuína e produtora de conhecimento escreveram belas e maravilhosas escritas de fino linho pluricultural. Muitos filósofos, sociólogos, psicólogos, literatos, poetas e historiadores escreveram movidos por uma voz carregada de múltiplas formas de dizer. E essas múltiplas formas de dizer só foram possíveis porque foram tocados por este potente fio construtor da humanidade: a experiência. Sem esta “dádiva” jamais o homem descobriria outras formas de ser e estar no mundo. Os tradutores da humanidade deram, por meio deste enriquecedor processo de aprendizagem, relevantes contribuições para a civilização do Homem na Terra. Lembro-me muito rapidamente de relevantes personagens da História da Humanidade que nos deram importantes contribuições, como, por exemplo, Walter Benjamim, Sigmund Freud, Didi-Huberman, Merleau-Ponty, Beatriz Sarlo, entre outros. A experiência é a doce e ao mesmo tempo amarga travessia que todo bom indivíduo precisa mergulhar na vida para transformar-se num sujeito tombado pela genuína fonte que transporta ou encaminha o ser ao seu indefinido mundo interior, pois só por meio da experiência pode o ser humano compreender melhor o “fora” e o “dentro” de sua complexa personalidade humana, de seu complexo mundo interior carregado de ingredientes oriundos do mundo exterior. Assim, a experiência “civiliza” o ser, dá a ele novos caminhos a seguir, novas fórmulas de pensar, sentir, ser, ter e agir.
                Um grande filósofo não precisou de tanta experiência (viajar para conhecer o mundo, viajar para entender o que está por trás do ser). Talvez este nome seja o filósofo Emmanuel Kant. Mas para o filósofo e historiador Benjamin, a experiência do mundo moderno perdeu muito da “verdadeira” experiência. Theodor Adorno também diz que depois de Auschwitz falar de poesia e de experiência é difícil em um mundo “manchado” pelas cinzas do Holocausto. Mas tenhamos cuidado com a experiência nesses tempos pós-modernos e “líquidos”, porque, de certa forma, a velocidade tecnológica tem sido a grande inimiga deste potente instrumento de aperfeiçoamento da personalidade humana. Mas jamais ela, a tecnologia, tirará do Homem este primitivo e contemporâneo instrumento de formação contínua dos indivíduos que querem atingir ou ascender o cume da perfeição da subjetividade humana.
                O humilde escrevente dessas palavras que se derramam de sua mente, por meio de suas leituras intelectivas e por meio de sua travessia pela Europa (Portugal, Espanha e Suíça) na busca por “poder-saber”, no sentido foucaultiano,percebeu e descobriu que pesquisar é viajar, escavar à distância o que só poderemos lá encontrar... Escavar é, então, redescobrir o mundo por meio de um novo sentido que se adquire através da experiência.
                A experiência do poeta escrevente Romadel com os novos horizontes territoriais, principalmente sua passagem por Portugal durante respectivamente seis meses, mudou a sua vida, e principalmente a sua escrita literária. Sua poesia e sua prosa, depois desta travessia ou desta experiência lusitana, adquiriu novos voos, novos imaginários, novas formas de ver e sentir a palavra em sua tessitura desterritorializada.
                O olhar doce, homogêneo, centralizador e direcionado a um lugar, agora, sente-se deslocado, tornando-se temperado, heterogêneo, híbrido e, acima de tudo, descentralizado e desterritorializado no sentido deleuziano, pois uma vez quando nosso corpo brasiliano toca em terras estrangeiras, tornamo-nos mais brasileiros, mais humanos, menos puritanos, e mais intensamente energizado por uma força que nos transforma para sempre. Esta força geradora de sentimentos e pensamentos que dá à nossa alma um encaminhamento de que ela necessita ter...  Atravessar o “rio” que nunca dorme na vida dos moventes seres que, ousadamente, ultrapassam os limites que a vida, em sua simplicidade, impede o ser humano de ir adiante, de ultrapassar as fronteiras desse rio, conhecer o outro lado do Atlântico. Conhecer e se ver na cultura e na língua do outro partes de si em evolução...
                Mas nem toda experiência conduz o ser humano a um estágio de aperfeiçoamento de sua personalidade humana, mesmo que essas experiências sejam traumáticas, como a que foi vivenciada pelo romancista português António Lobo Antunes quando este esteve em Angola durante a Guerra Colonial como médico e combatente português. Toda experiência possui “ingredientes traumáticos” como toda a aquisição do conhecimento. Para que o homem se integre em determinado grupo social e historicamente situado é preciso ir de encontro a outros grupos, a outras identidades culturais, interpelados por “algo” que muitos estudiosos chamam de “diferença”, como bem o faz o estudioso Tomaz Tadeu da Silva, em seu livro “Identidade e Diferença”, mas há algo que faz parte de toda essa construção identitária versus diferença, tecida por intermédio da experiência: a alteridade. Pela experiência, nesse sentido, atingimos ou alcançamos a alteridade, porque não há experiência vivida de forma singular, mas sim, de forma coletiva, social e histórica. Assim caminha a Humanidade, assim caminha o poeta escrevente deste efêmero texto que emerge de sua experiência vivida no Exterior. Assim caminha o leitor que, por meio deste texto, encontrará nele algum “defeito” ou rasura do pensamento, ou algo de grande valia para a sua vida enquanto leitor profícuo e deslocado#descentrado de sua fixa vida fugidia. Assim falou Romadel porque passeou por alguns instantes em seu individual (e sociável) tempo, e atingiu o Tempo que lhe proporcionou uma ímpar experiência com o outro, num outro lugar. O ser, então, sempre será uma construção do tempo, uma construção oriunda da experiência vivida e compartilhada por cada ser na fervente Terra.

 

 

 
 
Poema publicado no livro "Contos de Verão"- Edição Especial - Fevereiro de 2017