Alyne Marianna Freitas Rosa
Belém / PA

 

Notas de uma fuga

 

           

A lua estava alta, cheia e brilhante. Era uma noite calma, e o silêncio era interrompido apenas pelo som dos aviões que passavam de hora em hora sibilando sobre nós.
Quanto mais andávamos, mais era possível sentir o cheiro daquela floresta, que, mesmo tão próxima à cidade, ainda era viva e austera. O cheiro da terra, das flores, do mato... O vento beijava suavemente o meu rosto, fazendo com que meu cabelo cobrisse parcialmente a minha visão daquele caminho que já era suficientemente complicado.
– Olha, restos de uma fogueira. Esse deve ser o lugar de que eles estavam falando. Você acha que é seguro parar aqui? – Carla perguntou, remexendo os gravetos da fogueira com o pé para tentar manter o fogo vivo. Eu disse que sim, atirei minha mochila no chão e sentei recostada numa árvore. Ela sentou ao meu lado, colocou um cigarro na boca e começou a mexer em sua bolsa.
– Aqui – eu disse, tirando um isqueiro do bolso de trás da calça e passando a ela.
– Valeu, Liz. Quando será que eles vão chegar?
– Logo. Já são 4:30 – respondi.
– Você tem certeza de que quer fazer isso? Digo... Faz tão pouco tempo... Tem certeza que já se esqueceu do...
– Não – interrompi. – Nunca esquecerei. Mas você sabe que tudo mudou. E também devo isso ao Diego.
Mudei de assunto e conversamos por alguns minutos, quando começou a chover. Uma garoa fraca, incapaz de incomodar a nossa fogueira. Enquanto eu encarava as labaredas que serpenteavam ao vento, era impossível não lembrar do último verão, quando fizemos uma viagem rumo ao Paraíso, uma praia afastada da capital, acerca de 3 horas e meia de viagem. 3 horas e meia olhando para aqueles olhos grandes e castanhos, seu cabelo mal cortado, com cachos que dançavam ao vento, cobrindo seus olhos. E, claro, seu sorriso torto que sempre se transformava numa risada contagiante.
Uma mistura perfeita de Rimbaud com Jim Morrison. Um libertino hedonista, porém sensível. Seu tom de voz era cativante e suas palavras faziam com que todos que as ouvissem se sentissem conectados, como se ele fosse capaz de ler e interpretar suas almas, compreender suas dores e multiplicar suas felicidades.
Quando chegamos à praia, ele pegou o violão e sentamos todos ao seu redor para ouvi-lo tocar uma balada suave que todos conhecíamos muito bem. Ele estava emoldurado pelo sol, pelas ondas e pela areia branca. Só saímos de lá quando as ondas começaram a chegar perto demais de nós.
– Vem – disse ele, me puxando pela mão. – Dá pra acreditar que esse vai ser nosso ultimo ano aqui?
O sol dava aos seus olhos um belo tom esverdeado, fazendo com que brilhassem ainda mais. Jogamos conversa fora por algumas horas, quando, de repente, nos encontramos em silêncio. Um silêncio prazeroso, nada desconfortável. Seus olhos estavam fixos nos meus, e sua respiração estava em harmonia com a minha. Não era preciso dizer mais nada. Nós seríamos parte da vida um do outro para sempre, e para isso as palavras não eram mais necessárias. Eu nunca mais poderia apagá-lo de mim.
– Liz! – disse Carla, apontando para a direção de onde viemos. Eles haviam chegado, trazendo consigo uma chuva ainda mais forte.
– Oi, amor.
– Oi, meninos. Oi, Di. – nos abraçamos e corremos para baixo de um antigo toldo que ficava a cerca de 10 minutos dali. Enquanto caminhávamos de mãos dadas, pude ver a fogueira ficando para trás, diminuindo até apagar.
Gotas pesadas e barulhentas caíam sobre nós. Eu não podia ver nada a mais de 2 metros, salvo a luz dos relâmpagos que brilhavam ao longe. O som de nossos passos era abafado pelo barulho da chuva e de trovões que tomavam o céu, monopolizando a audição de todos abaixo de si.
Quando chegamos, senti as mãos quentes de Diego passando pelos meus ombros, e só então notei que ele estava falando comigo. Eu não podia ouvi-lo, os trovões o censuravam “... chuva dessas há tempos... frio?”. Eu apenas sorri, o que o fez sorrir também. Diego colocou seu casaco sobre meus ombros e eu o abracei. Ele não parava de falar, e eu não conseguia entender nem metade de suas palavras, o que acabou por ser uma ótima experiência.
Deitei minha cabeça em seu peito, envolta em seu abraço. Eu o olhava de vez em quando, e o apertava forte quando ouvia um trovão. Era bem mais fácil gostar de Diego quando eu não podia ouvi-lo.
Pensei mais uma vez naquele verão... Já fazia quase um ano que não nos víamos.
– Já passou. – disse Diego.
– O quê? – perguntei assustada, saindo de meu devaneio.
– A chuva. Já passou.
Ele suavemente colocou uma mão em meu rosto, afastando uma mecha de cabelo que estava colada em minha bochecha, depois me virou, sem tirar os braços do meu entorno.
O sol estava nascendo, um novo dia acabara de começar.
Era hora de partir.

 

 

 
 
Poema publicado no livro "Contos de Verão"- Edição Especial - Fevereiro de 2017