Vicente Izidrö de Souza
Ubaitaba / BA

 

O poeta das perturbações psíquicas

 

           

Hoje acordei com um sentimento estranho;
num estado epiléptico,
de pensamentos fétidos
e rugas no espelho.

Ainda no espelho
havia uma pele ressecada,
olhos mortos e boca sedenta.
Que coisa é esta que me mata?
As alegrias se foram
e só ficaram mágoas-estraçalhadas.

Há merdas por todo lado,
e este cheiro me agrada.
Estou desta forma
e não me importo mais.

Em que estado é este
que o amor de verão me deixou?
Pareço um morto-vivo
assombrando seres humanos sintéticos.

Antes cuidava das letras
como Beethoven amava a música,
agora sou o escritor vagabundo;
genocida de leitores leigos!

Tornei-me num poeta
apaixonado pelo cheiro da carniça,
pelo sabor da cachaça
e pelo mundo das desgraças.

Amanhã, mais uma vez,
calar-me-ei perante o espelho:
observarei meus olhos; 
tentarei reconhecê-los, mas os olhos que verei
não serão os meus próprios olhos,
nem mesmo aquela boca podre
poderá ser a minha.

Acabarei percebendo
o que outrora não percebi:
o amor está me fazendo cativo
de doenças efervescentes,
está me levando à podridão carnal.

A vida vai passando
e em mim nada muda,
vou vegetando as minhas esperanças
e vivendo da inconsequência dos meus atos.
Vou sofrendo a impureza das minhas histórias
e das minhas aflições.

Sou o homem tuberculoso,
o anêmico pneumático,
meu tórax vai estourando
e minha vida se diluindo em sangue.

Vou ser trevas em meio à luz, 
um triste sufocador das felicidades.

 

 
 
Poema publicado no livro "Contos de Verão"- Edição Especial - Fevereiro de 2017