Paulo Amorim
Brasília / DF

 

 

O trapaceiro impensável

 

 

Deu a louca na Cúria, não se fala em outra coisa, o alerta foi geral, portas fechadas, ninguém entra e ninguém sai. Para quem quer ter sossego, sossegue, melhor não se atrever.
- Deliberado por quem? Pergunta-me o leitor.
O Chanceler da cúria, um velho ranzinza, que já tem mais de 70, quase apresentando a renúncia. Ele é franzino e de pouca paciência. Há quem diga que sofre de distimia, eu não sei, prefiro não perguntar. Rabugento e reclamão, isto ninguém vai negar, brincar com uma ordem dele, não aconselho, nem ao sonhar.
- Mas por que esta loucura? Insiste o curioso leitor.
Para que entendas bem o conto, te explico. Apenas nesta semana, de paramentos, sumiram vários; primeiro, foi a casula do Padre Amosteu, depois, a estola do Padre Júlio, e o meliante desconhecido, pasme! Parece não conhecer a figura, roubou do chanceler, o Padre Orfeu, a camisa clerical. Isso foi a gota d’água. Se não fecham as portas, creio que até o final da semana, irreverente como é, levaria também as velas, os vinhos e as partículas consagradas.
Padre Orfeu, ainda zangado, possesso, eu diria, criou logo uma comissão, e vai punir o culpado. “Dentro da casa de Deus, ninguém pode ser roubado”. Saiba que disso eu gostei se vai dar certo não sei. Mas, ele foi inteligente e para liderar os trabalhos teve cautela, foi sensato, ninguém mais qualificado teria, a não ser o Padre Raposo que chegou meio assustado, contudo, homem discreto, humilde e que não faz, de si próprio, uma superprodução.
Padre Raposo, destinado a descobrir quem trouxe o perigo à casa, roubando aos reverendos, sem criar pavor, pediu a instalação de câmeras e treinamento aos seminaristas para na hora certa afrontar. Iniciou-se o alvoroço, os padres se sentindo observados e fotografados por seminaristas, desconfiados, ficavam em burburinhos, e, sem sair de seus quartos, do medo, fez-se o pavor.
Padre Machado, foi um deles, há dois dias não dormia, esperando o meliante com o olho grudado nas câmeras, curioso, nem comia.
O vigário-geral, moderador da cúria, confidente, cogitou desconfiança do bispo que andou por ali. Não! Claro que ele não sugeriu que o bispo teria roubado os paramentos, que exemplo seria? Mas o bispo era galhofeiro, alguma peça sempre pregava.
Ah! Então é galhofa, o reverendo está certo, o patriarca da cúria, é traquinas, por ser assim, eu também acredito que isso pode ter sido, acho que sim, o mal feito o fascina. Êta! Bispo ruim.
Os padres, dele, não gostam; coroinhas? Odeiam; Eu? - não devia comentar, sou apenas narrador, mas... Não vou me esquivar – Pior bispo que já vi, nem quero muito falar, vai que descobre e propõe me excomungar; vou tratar com amor, o papa é que vá cuidar. Em nome do pai, do filho e do espírito santo.
Um alarme na noite! Grito tão sonoro nunca ouvi. Levantam-se, todos, e correm para o pátio da cúria.
Mas, o que aconteceu? Tão curioso me pergunta o leitor (penso no próximo conto, indicá-lo personagem).
Mas sou tranquilo e respondo: Roubaram a ceroula do bispo. O que? Leitor me ajude! Ouviu isso? Ele achou que fui eu, alegando que tais fatos, depois que aqui cheguei, por três vezes se repete. Meu Deus! Isso é castigo? Mas, dele, só desconfiei, por ser ele um burlador. Fui eu quem criou a estória e apenas narrei as falas que por ali encontrei.
Que faço agora? Perdi o sono, você bisbilhota, o bispo me acusa, os padres me olham, me deixa pensar... Ok! decidi, com o Padre Machado até o fim desta estória, serei também vigilante. E, o malfeitor, assim que o encontrar, vou fazer esse bispo, a mim, se retratar.
Minha tristeza está grande, há três dias eu não durmo. Estou preso a uma estória, que criei para a antologia e me perco ao terminar. O que criar?
Espere aí... uma novidade surgiu. O bispo assinou um decreto e tudo que é padre animou; quem encontrar suas ceroulas, ou ao menos o infrator, além de se tornar protegido, será dispensado da missa, das cinco, e nunca mais tomará sopa.
E eu, que não estou na estória, se descobrir o meliante, também me vale o troféu?
Dona Dilma, me perdoe, eu vou achar o larápio e toda a sopa que faz, tão ralinha e transparente, não tomarei nunca mais e com aprovação do presbítero, ainda, durmo um pouco mais.
Estrondo no sótão ecoa e os padres correm para lá, exceto o Padre Machado a quem eu vou me juntar e descobrir pelas câmeras, o safardana cretino que do armário tirou, Os paramentos dos padres e a ceroula do bispo, que de velha amarelou.
Ah! Enfim... Graças a “Deus”, Agora sim, não duvidem, os padres são testemunhas, a câmera mostra bem claro, quem estamos procurando.
Naquele porão, tão frio, num canto, sem muita luz, num pequeno altar sentado, devidamente vestido com a ceroula do bispo e os paramentos dos padres, dali mesmo adquiridos, um primata divertia a família de saguis.
Mas, e agora? Quem irá retirar daquele macaco safado, os paramentos dos padres e a ceroula do bispo, antes de se confessar? Sim... porque todos ao bispo acusaram.
De minha parte estou fora, nem entro nesta estória, se narro, sou o contista e não mereço castigo.

 

 

 




Poema publicado no livro "Contos Livres" - Edição Especial - Agosto de 2020

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