Rozelene Furtado de Lima
Teresópolis / RJ

 

 

Pandemia no formigueiro

       

        

        Admirar não é o bastante, é preciso cuidar. Assim falava meu pai com relação à natureza. Um dia eu comentei com ele que o meu vaso de avenca estava tão bonito, parecia que as folhas se comunicavam alegremente entre si.  Contei para ele que recebi a visita de uma grande amiga. Ela olhava insistentemente para o vaso da avenca e comentava a beleza da planta. No dia seguinte a planta estava toda escura, e ressecada e retorcida. Só pode ter sido o olho grande dela, afirmei para meu pai.  Ele olhou bem fixo para mim, passou as mãos pelo rosto, como se estivesse colhendo palavras, e disse:- O olho grande quem tem que ter é o dono para observar se tem alguma coisa errada com as plantas, animais e objetos pessoais, e perceber o que está acontecendo para tomar uma atitude e corrigir o que estiver causando o estrago.  Assim como as pessoas, tem plantas que são muito sensíveis e precisam de cuidados especiais. Partindo dessa lição eu estou sempre de olho bem grande no meu jardim e nos meus pertences.

        Ganhei uma muda de romã, plantei numa banqueta na entrada da garagem e ela começou a desenvolver muito bem. Passado uns três meses ela estava cheia de brotos novos avermelhados e eu fiz uma fotografia.  Dias depois meu marido me chamou e falou; - vem olhar o pé de romã. Acreditem! Não tinha nem uma folhinha nem nos galhos nem no chão. Deve ter sido lagartas ou formigas. Lembrei-me das palavras do meu pai e botei meu olho grande em todo jardim. Tudo correto, tudo perfeito. No dia seguinte fui novamente olhar o jardim com olho bem grande e um arco no alto da escada, rodeado de Jasmim dos Poetas, a trepadeira estava sem nenhuma folhinha, toda devorada.  Passou uma tristeza me deixando com um sentimento de alguém descuidado. Passei olhar três vezes por dia o jardim: ao amanhecer, ao meio dia e ao anoitecer. Foi então que descobri que as formigas cortadeiras, chamadas saúvas, começavam a trabalhar depois das dezoito horas e terminavam quando começava clarear, eram noturnas.

        Já viram formigas cortadeiras trabalharem? Uma turma sobe na planta escolhida e começa a cortar as folhas e outra turma fica embaixo carregando os recortes de folhas e flores num ritmo incrível e vão destruindo tudo.  Peguei uma lanterna e vi que elas andavam um trecho enorme carregando as folhinhas cortadas numa trilha que ultrapassava o portão do vizinho onde estava localizado o esconderijo delas.

        Liguei para um amigo biólogo e pedi orientação para resolver o problema. E se tinha algum veneno para acabar com as formigas. Ele falou para não usar veneno e mandou que eu comprasse laranjas e ou tangerinas e gergelim branco. Cortasse as frutas em duas partes, retirasse os gomos e enchesse as cascas com as pequeninas sementes de gergelim e colocasse a armadilha na trilha delas, que atraídas pelo cheiro das cascas das frutas carregariam as sementinhas de gergelim para o jardim de fungos cultivado em câmeras subterrâneas dentro do formigueiro. O gergelim depois de uns dias se transformaria num fungo que solta um gás tóxico e as formigas vão morrendo pouco a pouco. O formigueiro acabaria em alguns dias.  Senti uma sensação desagradável ao ver aqueles serzinhos tão organizados, tão poderosos trabalhando sem confusão, sem parar e sem atropelos em duas filas de ida e volta. Não paravam para descansar ou beber água. Eram tantas que fiquei colocando as cascas no caminho delas durante uma semana. Enquanto elas destruíam as folhinhas novas do limoeiro, da dama da noite, da lágrima de cristo e das roseiras, entre outras e também carregavam as sementinhas de gergelim branco.

        O formigueiro acabou, elas morreram, desapareceram.  O meu jardim voltou a ficar lindo novamente, e a natureza agradecia florindo e perfumando com muitas abelhas e borboletas. Fim do pesadelo no jardim.

        Esse fato aconteceu faz mais ou menos um ano.

        Hoje estou me sentindo uma formiguinha, impotente e incapaz tal aquelas que eu fiz com que levassem a arma mortífera para dentro da comunidade e matando todas sem nem saberem o porquê. Estou  vendo muitas pessoas no mundo morrendo sem poder fazer nada. O fungo está instalado, isto é, o Corona vírus. E nós humanos estamos sentindo na pele o que é uma correção, um ajustamento, uma mudança de comportamento. Um ataque que não sabemos de onde vem e se a solução não for rápida exterminará conosco como eu exterminei com o formigueiro do meu jardim.

        Não acabei com todas as formigas do mundo, graças a Deus, mas com as do meu jardim e dos jardins dos vizinhos. Estou me sentindo como alguém que produziu um vírus para acabar com aqueles insetos sociais que estão aqui com grande propósito. Elas são responsáveis por fertilizar o solo e auxiliar na polinização. Portanto são insetos benéficos e contribuem de forma fascinante para o equilíbrio do ecossistema. E se elas atacam os jardins é porque o espaço delas foi invadido e elas precisam continuar com a missão delas no planeta e alimentar a rainha formigona e seus súditos.

        E nós humanos, temos explicação para o motivo da pandemia do novo Corona vírus? Tem algum jardineiro ou jardineira que quer acabar com as formiguinhas humanas indefesas assustadas e com medo? Quem sobreviver saberá.

***

 “Quando o homem aprender a respeitar até o menor ser da criação, seja animal ou vegetal, ninguém precisará ensiná-lo a amar seu semelhante” (Albert Schwweitzer).

 

 

 
 
Poema publicado no livro "Contos de Outono" - Edição 2020- Julho de 2020