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Rozelene Furtado de Lima
Teresópolis / RJ


Sogra é sogra

 

Quando Paula e Felipe mudaram para uma casa mais espaçosa, bem mais luxuosa e localizada num bairro com todas as características de "morar bem", foi a concretização de um sonho para o casal. Depois de nove anos de casados conseguiram comprar a residência tão desejada. Precisava de algumas reformas, uns ajustes, mas eles teriam o tempo que quisessem para planejar. Trataram de fazer uma limpeza no quintal, arrumar o jardim, pintura na parte externa e interna e... entrar com o pé direito.
Resolveram que convidariam aos poucos parentes e amigos para conhecerem o melhor lugar do mundo. Aquele lugar onde você deixa seus sapatos onde quiser, usa roupas confortáveis, lambe a colher, arrota e bufa como majestade - o lar doce lar. Com uma pequena ressalva: divida o espaço com alguém que você ama muito, só assim um não vai implicar com as manias do outro. Caso contrário campo de batalha é pouco.
Numa manhã fria de final de outono Paula tinha ficado preguiçosamente na cama, Felipe ligou do trabalho dizendo que levaria a mãe para almoçar, pois ela estava muito curiosa para conhecer a nova casa. Paula ao receber o telefonema do marido tentou adiar uns dias a visita da sogrinha com a desculpa que o almoço já estava quase pronto e não tinha nenhum prato especial para servir. Ao que Felipe argumentou: - Que é isso? Mamãe é de casa, deixa de bobagem, querida.
Paula foi até a cozinha avisou a empregada e acrescentou mais alguns detalhes na refeição e pediu que ela caprichasse na arrumação da mesa e das travessas. E saiu rapidamente para comprar umas flores para enfeitar a sala, porque sogra é sogra. Dona Josefa fazia parte do primeiro escalão das sogras insuportáveis, com ar de quem possui a escritura da verdade e não dava tréguas. Cumpria com rigor o papel de que sogra é aquela que tem sempre razão. Embora aparentemente fosse simpática e boa, dando a impressão que não se intrometia na vida deles, Paula tinha cuidados especiais: usava armadura a prova de ataques repentinos e disfarçados com artilharia pesada. Sogra é sempre sogra, aqui ou no fim do mundo. Paula achava-a dissimulada e cheia de sutilezas. Como uma costureira dava as alfinetadas que só a nora percebia e fingia não sentir nem entender. Não dormiam na mesma cama, não moravam debaixo do mesmo teto, não eram vizinhas e só se visitavam de vez em quando e então dava para aguentar.
Paula tinha descoberto que tratar a sogra com certa cerimônia evitava intimidades e espantava a desarmonia. Querendo ou não a sogra é sempre mal vista pelas noras e vice versa. É bom que cada uma cuide da sua jurisdição sem interferência da outra para que a paz perdure para sempre. E a regra principal é nunca falar mal da sogra. E mesmo porque falar da sogra está falando da mãe do outro e desde os primórdios desrespeitar esta regra é briga na certa. Minha sogra é uma santa e ...a sua é santa também.
Mãe e filho chegaram felizes e sorridentes. Ele contava os detalhes e ela examinava cuidadosamente todos os cômodos sem fazer comentários. Tomaram um aperitivo e sentaram-se à mesa. A empregada cumpriu com carinho as recomendações da patroa: mesa bem posta, travessas arrumadas com esmero.
Uma saladeira, com legumes cozidos ladeados por folhas de alface e tomate lindamente decorada, foi preparada por Paula. A sogra foi a primeira a servir-se. Paula amarelou quando olhou para o prato da dona Josefa. Uma lagarta verde da cor da folha se esticava medindo o contorno da alface. É uma lagarta fina, comprida de mais ou menos cinco centímetros se esticada. Chamamos de medidor porque ela junta as duas pontas fazendo uma alça e depois se estica puxando a outra parte, mas ela fica um pouco indecisa até grudar uma parte e soltar a outra. Dando a nítida idéia de que está sempre medindo alguma coisa.
A nora nervosa precisava agir rápido, até então só ela tinha visto a asquerosa lagarta de pelinhos curtos. Felipe feliz conversava com a mãe. Na cabeça de Paula ela buscava um recurso milagroso. Enquanto a lagartinha verdinha da cor da alface decidia se segurava na manga do casaco verde da mãe de Felipe ou continuava como uma bailarina se equilibrando para atingir pelo centro do prato o extremo da outra folha apetitosa. De repente, Paula levantou-se olhou para a sogra e disse: - Não sabia que a senhora gostava tanto de alface, e ao mesmo tempo retirando o prato da mesa, vou ver se tem mais alface na cozinha. Saiu rapidamente da sala levando como se carregasse um troféu: o prato com salada e a bela e intrigante lagarta como uma deusa vitoriosa olhando por cima de tudo.
Felipe não sabia o que dizer para a mãe. A sogra sem graça não entendeu a atitude da nora.
Alguns minutos depois Paula volta dizendo que a empregada está providenciando uma salada de alface cortadinha, especial para dona Josefa e colocou um outro prato limpo para sogra. O filho serviu a mãe carinhosamente, e ela mal tocou na comida e comeu uma pequena fatia de pudim na sobremesa. O almoço foi um desastre!
Paula nunca mais serviu alface para visitas. E às vezes que Paula comia na casa da sogra todos os pratos eram enfeitados com alface, até a carne. Uma vez dona Josefa colocou um pé de alface como decoração da mesa.
A lagarta medidor causou um rasgo na relação do casal, que mesmo cerzido com muitos beijos, carinhos a marca ficou aparente. E sempre que querem almoçar ou jantar juntos com sogras, procuram um bom restaurante.
A dona Josefa quando se referia à nora dizia: - Aquela comedora de alface...

 
Livro de Ouro do Conto Brasileiro - Edição Especial - Maio de 2009