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José Antonio Silva Santos
Rio de Janeiro / RJ

 

A bela transformada numa fera

   Numa área agrícola no interior do Rio de Janeiro, moravam inúmeros descendentes de alemães, que fundaram uma cooperativa liderada por Michael Hortz. Os Hortz chegaram ao Brasil pouco antes do nascimento de sua filha Elza Hortz.
   Com treze anos de idade, Elza já apresentava um belo corpo de mulher e encantava os homens mais velhos. Havia um em especial, chamado Ronaldo Freire, que era vizinho e amigo de seus pais, tinha trinta anos de idade e uma aparência estilo galã de cinema, era alto, loiro, com olhos verdes bem claros e, de certa forma, chamava a atenção da menina. Os pais de Elza percebiam que aquele homem não queria só a amizade da família, as constantes visitas e presentinhos que ele trazia para a jovem, não eram vistos como um problema, na verdade eles até gostavam, a ponto de prometer, tão logo Elza completasse quinze anos de idade, lhe conceder a filha em noivado. Elza não tinha conhecimento disso.
   A escola onde todos os jovens daquela comunidade estudavam, ficava a cerca de cinco quilometros de distância, a cooperativa então disponibilizou um caminhão com uma cobertura de lona e alguns bancos na carroceria onde os alunos eram conduzidos diariamente. Vez por outra, Ronaldo aparecia de surpresa na saída da escola, pegava carona no caminhão, onde fazia questão de sentar-se ao lado de Elza. Certo dia, ele passou em frente à escola no horário da recreação, então viu um grupo de meninas conversando e apontando para uma área atrás das salas de aula, procurou por Elza em meio as elas, mas não a viu, caminhou em direção aos fundos da escola e se escondeu atrás de uma caçamba de lixo, e de lá pode ver Elza com um rapaz, que  aparentava ter seus dezesseis anos de idade, este a beijava ardentemente, enquanto suas mãos tocavam em seus seios, sem a menor resistência da jovem. Ronaldo foi tomado por um ódio jamais sentido antes, saiu correndo sem rumo, indo parar às margens de um rio, a uns dez quilometros da cooperativa, e por ali ficou dormindo ao relento por dois dias, e sem se alimentar. Ronaldo voltou então para casa e começou a arquitetar a sua vingança.
   O namoradinho de Elza foi vítima de um misterioso atropelamento no momento que se dirigia para escola, fazia parte de um grupo de cinco meninos que seguiam em suas bicicletas. O rapaz não resistiu aos ferimentos e morreu.
   Ronaldo preparou uma armadilha terrível para a menina, pois ele conhecia a rotina da jovem. Quando ela chegou da escola foi logo preparar o almoço, pois os seus pais logo chegariam da lida na lavoura. Ao puxar uma panela de uma prateleira alta, o querosene, colocado estrategicamente ali, caiu e banhou o seu corpo, o fogão a lenha acesso, que também foi banhado, desencadeou uma enorme labareda de fogo, sua vista escureceu, apesar do clarão, e seu corpo foi lançado ao chão. Ela tentou se levantar, mas suas pernas não obedeciam, logo desfaleceu; voltou a si e sentiu uma dor enorme por todo o corpo, conseguiu abrir os olhos e pode ver sua mãe aos prantos sendo amparada pelo seu pai, e desmaiou novamente.
   Três dias se passaram, Elza acordou no CTI do hospital municipal, sua mãe estava novamente ao seu lado, mas desta vez com um sorriso no rosto, lhe jogou um beijo e disse, olá dorminhoca! Elza olhou tudo em volta, estranhou aquelas máquinas apitando, todos usando máscaras e luvas, inclusive seus pais, e nesse momento veio à lembrança do ocorrido a sua mente, onde pode reviver claramente cada detalhe daquele incêndio, inclusive a imagem de Ronaldo por trás das chamas, trazendo um sorriso sarcástico e uma pá nas mãos, pronto para colocar o plano B em ação, caso aquele falhasse.
   Elza fez diversas cirurgias reparadoras, inúmeras e dolorosas seções de fisioterapia, lentamente foi recuperando os movimentos das mãos e braços, a recuperação das pernas foi mais lenta, no rosto usava uma máscara com um tecido especial, onde havia um pequeno furo na direção dos olhos e da boca.
   O Dr. Emílio Hernandez era um jovem médico que estava se especializando em Cirurgia Plástica Reparadora, e se preparava para concluir sua especialização em Londres quando conheceu Elza. Pertencia a uma família de médicos, donos de uma enorme rede de hospitais espalhados por várias partes do mundo, o principal e mais famoso deles, estava localizado nos Estados Unidos. Emílio quis assumir a responsabilidade pelo tratamento de Elza, então propôs a família que permitissem que ele a levasse para Londres para um melhor tratamento, onde os pais também poderiam ir juntos, e sem o mínimo de dúvida, a proposta foi aceita prontamente.
   Após dois anos de tratamento em terras inglesas, além de diversas cirurgias, ela fez também um implante de cabelos que elevou sua autoestima, Elza se tornara uma nova mulher, e daquela menina só lhe restou à cor dos olhos, e as poucas cicatrizes que ainda restavam, mantinham a ligação entre o passado e o futuro, que certamente o planejava minuciosamente.
   Aos vinte anos de idade, Elza foi pedida em casamento por Emílio, ele precisava voltar para o Brasil, onde tomaria a frente dos negócios da família, pois seu pai pretendia aposentar-se da presidência das empresas, que a essa altura já ganhara a Europa. Ao chegarem, Elza foi imediatamente para o interior do Rio de Janeiro, onde visitou a cooperativa se passando por uma jornalista, queria saber sobre um acidente doméstico ocorrido a mais de dez anos atrás, onde  uma menina teve o corpo completamente queimado, e segundo alguns relatos, não havia resistido aos ferimentos. Para surpresa de Elza, as mulheres, que não tinham como reconhecê-la, começaram a falar mal da menina, dizendo que ela provocava os homens e que vivia se agarrando com um e com outro, inclusive os casados. Elza decidiu naquele momento que a sua vingança seria estendida a todos os moradores daquela comunidade.
  A linda menina Elza, havia se transformado numa outra bela mulher, mas que agora também trazia dentro de si uma fera. 

   
Publicado no livro "Contos de Outono" - Edição Especial - Junho de 2015