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José Luiz da Luz
Ponta Grossa / PR

 

Ambição

  No antigo sertão do Cerro Azul, um velho pajé vivia no sopé de um monte. Sua fama correu o sertão em virtude de sua sabedoria, curas, conselhos e visões.
         Um belo dia um caixeiro viajante, sabendo dele, foi visitá-lo. Rudá, o sábio das matas, muito prestativo, ofereceu-lhe um jantar e uma rede para o pouso.
         À noite o homem ficou estupefato, pois o pajé, olhando numa gamela com água, contou-lhe todo o seu passado. Na manhã seguinte, antes da despedida, o pajé percebeu que o visitante não ficou satisfeito.
          — Que queres... então? — indagou Rudá.
          — Conta-me do futuro — respondeu-lhe.
          — No fundo do posso, tu acharás uma estrela — Rudá revelou
          O visitante, porém, continuou insatisfeito e sem sorrir.
          — Que queres, mais? - indagou novamente Rudá.
          — Quero para mim a tua gamela.
          Prontamente o sábio esvaziou-a, colocou-a num saco e deu a ele de presente. De posse daquele objeto precioso, o caixeiro viajante partiu feliz achando que levava consigo os poderes do sábio. Fez planos de descobrir muitos tesouros. Pensava : “o velho sem a gamela, não tem mais nenhum poder.”
          Dias e dias ficou com os olhos fixados na água da gamela, mas não viu nada além da água. Forçou tanto a vista, a tal ponto que ficou quase cego.
          Tempos mais tarde, por causa da profissão, teve que voltar àqueles sertões. Ficou surpreso com os rumores de que o velho Rudá continuava com sua sabedoria, curas, conselhos e visões: “Se a gamela está comigo, como é que ele faz?”
          Não resistiu e foi logo procurá-lo em busca de cura para os olhos. Rudá, como de costume era sempre muito prestativo, ofereceu-lhe novamente seus préstimos.  
          À noite o caixeiro viajante ficou estupefato, pois o pajé pegou um cajado de bambu, tocou a ponta em sua face e a visão voltou. De manhã, na despedida, o sábio viu que o homem não ficou satisfeito.
          — Que queres, mais? — indagou Rudá.
          — Quero que eu nunca mais fique doente — respondeu-lhe.
          — Tu nunca mais ficarás doente, quando do fundo do posso, achares uma estrela — disse Rudá.
          Mas o visitante sem entender aquelas palavras, demonstrou insatisfação.
          — E agora, que queres, mais? - indagou novamente Rudá.
          — Agora quero teu cajado.
          Serenamente o sábio colocou-o nas mãos dele e disse: “Agora vai”.
          O caixeiro viajante, empunhando firmemente aquele instrumento mágico, sorria de felicidade achando que conseguiu o verdadeiro instrumento de poder. Fez novos planos, com o cajado dominaria as pessoas de acordo com sua vontade. Pensava : “o velho, sem a gamela e sem o cajado, agora sim, não tem mais nenhum poder.”
          Por longo tempo sacudiu o cajado, apontou para as árvores, pessoas, pedras e animais, mas nada aconteceu. Forçou tanto que acabou com o braço inchado.
          Desesperado e cheio de ira voltou ao sertão, e como não era mais surpresa, ouviu rumores de que o sábio continuava com seus poderes.
          Ao findar da tarde chegou à casa dele no sopé do monte. Rudá, profundamente paciencioso, recolheu-o com sua imensa hospitalidade.  
          O visitante chorando de dor pediu a cura para seu braço. Ficou ansioso em descobrir daquela vez que objeto usaria. Ficou estonteado, pois o pajé apenas usando as mãos, esfregou em seus braços e as dores sumiram.
          No mesmo instante o visitante não ficou satisfeito.
          — Que queres... desta vez...? — indagou Rudá.
          — Agora eu quero as tuas mãos. — respondeu-lhe.
          O sábio, que já sabia o que se passava no coração do viajante, entrou em sua casa,
depois retornou com um machadinho e disse:
          — Eis aqui. Corta-as! Mesmo sem minha gamela, sem meu cajado, sem minhas mãos, ou sem os olhos, ou sem as pernas, os dons que Deus me deu continuarão dentro do meu espírito. Ninguém conseguirá me tirar.
          E o visitante se ajoelhou emocionado, e o sábio Rudá continuou.
          — Eis que teu futuro chegou. Estás no fundo do posso da ignorância, mas poderá achar uma estrela.
          — De que jeito? — indagou o caixeiro viajante.
          — Pelo trabalho. Pega a gamela e use-a para o bem, lava teus pés e tuas mãos, mas também os pés e mãos dos outros, use-a para lavar tudo o que veras de sujo no mundo. Com o cajado abra os caminhos, afasta os espinheiros e pedras, examine os caminhos para não caíres na lama. Assim conseguirás tua estrela. Se um homem não sabe pintar, não adianta cortar as mãos de um artista e levar para casa, o que ele tem que fazer é desenvolver a si mesmo.
          E por fim, o caixeiro viajante voltou para casa satisfeito! Ah, e sem cortar as mãos do sábio.

   
Publicado no livro "Contos de Outono" - Edição Especial - Junho de 2015