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Rozelene Furtado de Lima
Teresópolis / RJ

 

A dançarina do Ipê

 

A saudade é um instrumento de criação
que espera pelo autor pacientemente
para ser transformada em obra de arte.
                                                                       Rozelene Furtado de Lima

       A saudade é um sentimento que permeia a vida com a função de estimular o movimento de nossas experiências. Filtrando fatos e emoções do passado veiculando-os no presente: através de uma palavra, um cheiro, um perfume, uma foto, um filme, uma música até mesmo no brilho de uma lágrima. Nas minhas saudades tem sempre uma árvore. A Paineira me impressiona até hoje pelas etapas de mutações que passa: do verde copado ao forte rosa floral, em seguida aos frutos grandes de cor marrom escuro e finalmente na paina com uma sementinha na ponta espalhada pelo ar. Acompanhar esse processo natural é verdadeiramente emocionante. Ela despertou em mim a paixão pela poesia. Já a Figueira do Inferno, é uma árvore de menor porte, com folhas grandes e grossas em formato de coração e tem os figos achatados colados no caule liso. Ela desce os galhos até ao chão formando uma espécie de cabana grande, sombrosa. Aquietada em seus braços ela ensinou-me a escrever poemas. Outra, estupidamente bela é a castanheira! Com ela aprendi a suportar as diversidades da vida. Ela passa por fases longas e muito diferentes até soltar de dentro de um invólucro espinhoso (ouriço) as deliciosas castanhas brilhantes, que normalmente são mais consumidas na época natalina. Entretanto, a que rompia a barreira entre real e o imaginário sem menor dificuldade era o Ipê. A beleza do Ipê florido contamina toda paisagem em volta. O tapete de flores amarelas é mais convidativo do que o tapete mágico de Aladim. As flores para mim eram dançarinas. Sentada no chão e fazendo e tronco de espaldar, a imaginação fluía com a liquidez de fonte de água pura. Entrava numa dimensão prazerosa e via e ouvia ao som de Ravel, as flores do Ipê se transformando em dançarinas no meu palco atapetado arquitetado na mente. Levantavam uma a uma e dançavam e dançavam e dançavam rodopiando com vestido rodados. O espetáculo era bisado todas as tardes até terminar a florada anual. Fui criada num sítio onde a natureza era senhora de tudo.
          Há pouco tempo, deparei com uma árvore de Ipê Amarelo, tão esplêndida quanto aquela dos tempos da adolescência, e me vi dançando naquele carpete monocromático. Emocionada, fui catando as flores e colocando na minha bolsa, queria reter aquele momento de alguma forma. A saudade é um instrumento de criação que espera pelo autor pacientemente para ser revelada em obra de arte.
          As flores foram tomando forma, a ideia foi crescendo, o projeto desenvolvendo até mostrar-se num trabalho surrealista. A Dançarina do Ipê materializada e imortalizada em forma de obra de arte. Demorei em acreditar na capacidade artística que tinha latente e que despertou iluminada por uma simples saudade de outono. Toda arte tem um quê de saudade.

 

   
Publicado no livro "Contos de Outono" - Edição Especial - Junho de 2015