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Rozelene Furtado de Lima
Teresópolis / RJ

 

O Alçapão do Coronel

 

  Mais difícil do que fazer uma mudança é ganhar na loteria. Pensava Luiza enquanto arrumava os objetos em caixas.
        O novo lar, depois de passar por uma reforma ficou bem adaptado à família. Uma parte da casa ficou para ser reformada mais tarde. Um cômodo que não tinha janelas nem entrada de luz natural, com porta bem resistente. E dentro, um grande armário embutido. Deveria ter uma razão especial para construir um cômodo fora do corpo central da casa e num canto discreto. Depois de um ano da mudança de residência, começaram a reforma por esse cômodo. A solução foi fazer uma moderna claraboia com passagem de luz e de ar, pois nenhuma das paredes poderia ser quebrada. O pedreiro subiu ao sótão e começou a cortar a duríssima laje para fazer a abertura da claraboia, mas por um descuido, caiu um pedaço da grossa laje no chão do cômodo, que ao cair fez um barulho forte e oco. Ele estranhou e chamou o patrão. Então começaram a bater no chão com um pedaço de madeira e sentiram que havia realmente um som estranho e foram batendo e o som conduzia ao armário embutido. Não foi preciso quebrar nada. Quando deram uma batida no canto esquerdo dentro do armário, foi uma surpresa enorme e um uníssono ooooooh! Abriu-se uma tampa no piso que dava passagem para uma escada estreita.  Parecia a passagem para um porão. O adolescente da casa imediatamente denominou como “O Alçapão do Coronel”. O primeiro a descer foi o dono da casa, seguido do filho mais velho. O pedreiro ficou na ponta da escada para qualquer eventualidade.  Os outros esperariam à entrada da porta aguardando as novidades.  Uma lâmpada iluminava a escada de cimento com dez degraus. Eles desceram com corda amarrada na cintura e lanternas. A qualquer sinal, eles seriam puxados pelo grupo. Mais surpresa! Quando abriram a porta no final da escada entraram numa grande sala bem mobiliada, uma cozinha completa, uma suíte de luxo e uma varanda com outra escada para uma casa pequena com saída para a rua do quarteirão de esquina. Depois de muita conversa, hipóteses, cruz credo e outras observações foram fazer uma vistoria geral no “Alçapão do Coronel” e foi incrível o que acharam: um cofre com armas antigas e muito dinheiro em dólar, fotos, lembranças de viagens, algumas joias e o que causou grande interesse foi um diário de uma mulher chamada Loíde.
      Luíza, a mãe da família, ficou encarregada de ler o diário. Letra bem talhada e legível. As narrações de Loíde emocionam a qualquer leitor e Luiza resume contando para a família:
       Loíde tinha vinte e seis anos, arqueóloga e era muito bonita, pois tinha vencido um concurso de Miss em sua cidade. Loíde namorava Valter e aceitou o convite para ir visitar a casa dele.  Ele disse que morava com a mãe. Ele levou-a pela entrada externa. Ela descreve uma casinha pequena e ele conduziu-a para conhecer o atelier de pintura. Desceram por uma escada. E lá ficou prisioneira de Valter.
       Pela escada tinha entrada de luz do sol, e assim ela distinguia a noite ou dia. Valter vinha quase todos os dias e trazia tudo de melhor para ela. Ela conta que passou por momentos de revolta, de raiva, de medo, de dor, de saudade e por fim desistiu de lutar. Desistir não é uma opção é tempo de espera em estado de alerta. Se for inevitável, aguarde e relaxe, a ajuda sempre se materializa de alguma forma, pensando assim, esperava por ele ansiosa e se entregava ao amor. E implorava que ele a libertasse.
        A felicidade gosta de brincar de esconde-esconde. O amor quando invade dois corações ao mesmo tempo é tatuado com tanta intensidade que deixa de existir individualidade e os dois tornam-se um só. Sem restrições, sem possessão e sem culpas. É para todo o sempre, nada nem ninguém os separam nem mesmo a morte. Amar é um dom e é dado a todos e se realiza quando encontra o par certo. É preciso esperar e reconhecer, é como um ímã. Valter era avesso do amor.
      Loíde desconfiou que houvesse outra passagem, pois um dia quando ele chegou, ela estava sentada na varanda onde tinha a entrada pela casinha e ele não passou ali.
       Certa vez ele veio pela outra entrada, alguém o chamou e ele voltou imediatamente esquecendo a porta encostada e ela seguiu os passos dele e conseguiu ficar escondida num canto de um armário num cômodo abafado e fechado. Ele voltou sem saber que ela estava lá e fechou a passagem apertando um botão no cantinho do armário. Quase morta de medo ela ficou por ali dois dias. O cômodo ficava perto e de um banheiro e da cozinha. À noite ela comia o que encontrava. Loíde descobriu que Valter tinha dois filhos adultos e uma linda mulher. Decepcionada apertou o botãozinho e voltando ao cativeiro retomou a escrita do diário.
        Ela descreve fatos tão incríveis e dramáticos que Luiza chora por estar compartilhando daquele período labiríntico da vida de Loíde.
        Do diário; - “Ele veio, nos amamos como nunca. Não contei nada para ele das minhas descobertas. Eu soube voltar, mas não descobri como abrir a porta do cativeiro. Ele disse que iria viajar e ficaria quatro dias sem vir. Fingi que dormia e quando ele saiu, segui-o cautelosamente e vi que ele tocava um botãozinho no chão e a porta se abria.
       Quando percebi que era madrugada, resolvi fazer o caminho de volta. E se tudo der certo vou sair daqui, sem olhar para trás e esquecer esta parte da minha vida. “Há dois meses sou prisioneira.” Estas são as últimas palavras do diário de Loíde.
       Luiza saiu a perguntar aos vizinhos, sobre a família que morou lá, sem mencionar a história do “Alçapão do Coronel”. O que descobriu que era um casal muito simpático que parecia viver muito feliz com os filhos. De repente, Valter teve um mal súbito, foi internado vindo a falecer. A mulher e os filhos foram para a Itália morar com parentes, e a casa ficou a venda.


 
 
Conto publicado no livro "Contos de Outono - Edição 2016" - Agosto de 2016