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Rafael Ferreira da Silva
São Paulo / SP

 

Rômulo, Heloísa e a Jabiraca

Depois de juntar dinheiro durante os últimos três anos, Rômulo finalmente tinha condições de comprar um carro usado à vista.
Vendido por uma pessoa de confiança, amigo do primo do cunhado do vizinho do pai de Rômulo, o carro escolhido foi um Gol, branco, 1984, refrigerado a ar, popularmente conhecido como “batedeira”. Os amigos de Rômulo apelidaram o carro de Jabiraca.
Bem conservado, equipado somente com peças originais, a Jabiraca funcionava muito bem e proporcionou a Rômulo uma liberdade até então jamais imaginada.
Graças à Jabiraca, Rômulo virou o chofer da casa, passou a ser presença certa em festas, churrascos e demais reuniões organizadas pelos amigos, ajudava no transporte de bens e pessoas nas atividades da Igreja e começou a ser visto com outros olhos por algumas garotas. No entanto, Rômulo tinha olhos apenas para Heloísa, com quem flertava fazia algum tempo.
Heloísa era uma garota que Rômulo conheceu no ônibus quando ia do trabalho para a escola. Ela era simpática, conversava bastante e alimentava os galanteios que recebia de Rômulo, porém, quando era convidada para sair, sempre recusava o convite com alguma desculpa que não fazia sentido.
Em um desses encontros no ônibus, Rômulo e Heloísa conversavam quando ele perguntou:
- O que vai fazer depois da aula na sexta-feira?
- Tenho que voltar direto para a casa. Preciso levar minha avó na musculação!
- Que pena. Hoje vou sair mais cedo e estava pensando em lhe convidar para sairmos. Faz algum tempo que comprei um carro e podia te levar para aquele barzinho que está fazendo o maior sucesso.
- É mesmo!?!? Acabo de lembrar que minha avó está com os bíceps distendidos e não deve ir para academia hoje.
Um pouco mais tarde, Rômulo encostou a Jabiraca em frente à casa de Heloísa e buzinou. Heloísa saiu toda sorridente e saltitante de casa, mas quando viu Rômulo dentro do Gol branco sua fisionomia mudou.
Sem perceber o semblante de Heloísa, Rômulo desceu do carro abriu a porta para ela, e disse todo entusiasmado:
- Nossa você está linda! E aí? Gostou da Jabiraca?
Heloisa sorriu, entrou no carro e, enquanto Rômulo dava a volta para entrar pela porta do motorista, sussurrou:
- Que lata-velha! Como ele tem coragem de me convidar para sair em um carro desses?
Pelo visto a Jabiraca não gostou do que ouviu. Quando Rômulo girou a chave na ignição, o carro não ligou. Rômulo tentou mais algumas vezes, mas nada. Ele saiu, abriu o capô, examinou o motor, testou a parte elétrica, no entanto não havia explicação para aquele apagão. Sem saber o que fazer, pediu desculpas para Heloísa e chamou um guincho. Misteriosamente, foi só ela entrar em casa que, no primeiro teste do mecânico, o carro voltou a funcionar.
Apesar do contratempo, o obstinado Rômulo voltou a convidar Heloisa para sair. Os outros encontros foram bem sucedidos e eles começaram a namorar. Ocorre que a relação entre Heloísa e Jabiraca começou mal e dava sinais de que não se resolveria. Coincidência ou não, sempre que a Jabiraca falhava a Heloísa estava junto.
Teve uma vez que eles foram encontrar as amigas da Heloísa em uma pizzaria. Terminada a reunião, Rômulo se ofereceu para levar as moças para casa. Parece que a Jabiraca não gostou do ato de simpatia do dono para com as amigas de sua rival e resolveu morrer. Só funcionou depois que todos saíram do carro em uma noite chuvosa e tiveram que empurrar para pegar no tranco.
Em outra oportunidade, quando voltavam de uma festa, tudo corria bem até que Heloísa perguntou a Rômulo se ele não pensava em trocar de carro. Imediatamente o veículo começou a trepidar. O pneu havia furado. O pior é que uma das porcas do parafuso da roda estava espanada e Rômulo não conseguiu fazer a troca do pneu sozinho, tendo que esperar a chegada de um borracheiro chamado ao local. Enquanto sofria para tentar girar a porca espanada, Rômulo teve que ouvir um espírito de porco dentro de uma BMW parar perto de onde o carro estava e falar com a Heloísa:
- Se você estivesse em um desses não estaria passando por isso, lindona!
Rômulo só não jogou a chave de roda na BMW porque não deu tempo. O engraçadinho percebeu a ameaça e arrancou dali.
Mesmo com esses e tantos outros contratempos proporcionados pela Jabiraca, Rômulo relutava em se desfazer do carro. Primeiro porque era apaixonado pela Jabiraca. A troca por um modelo mais novo não era viável, pois Rômulo estava juntando dinheiro para casar com Heloísa. Além do mais, ficar sem carro era uma hipótese que sequer podia ser cogitada.
A gota d´água ocorreu no dia do casamento de Rômulo e Heloísa. Por questões financeiras, o evento se restringiu à cerimônia civil e a uma reunião para poucos convidados organizada na casa da irmã de Heloísa, que ficava a uns 50 quilômetros do casamento.
Após sair do cartório, com a noiva e os sogros dentro da Jabiraca, Rômulo dirigia rumo à reunião. Quando estava parado no pedágio, com dois carros à sua frente em relação à cabine de cobrança, a Jabiraca apagou e não voltava a funcionar. Rômulo foi obrigado a passar pelo pedágio empurrando o carro, com a ajuda dos sogros e com Heloísa vestida de branco, com as mãos no rosto morta de vergonha.
Transtornado, Rômulo parou o carro no acostamento, chutou, esmurrou e xingou a Jabiraca. Não entendia como um veículo que lhe deu tanta alegria o traíra daquela forma, justamente no dia mais importante da sua vida. Decidiu que iria se livrar dela quando voltasse da lua de mel.
A Jabiraca ficou estacionada em frente à casa de Rômulo. Porém, quando voltaram da viagem, o carro não estava mais lá. Tudo indica que foi furtada. Rômulo nem poderia ser acusado de ter facilitado o crime, uma vez que não tinha seguro e sofreu um significativo prejuízo financeiro.
Há quem diga que a Jabiraca não foi surrupiada, mas fugiu por não concordar com a escolha amorosa de Rômulo.
Pelo visto a antipatia da Jabiraca pela Heloísa não era à toa. O casal logo se separou e hoje Rômulo vive sozinho, sem a Heloísa e a Jabiraca.


   
Publicado no livro "Seleção de Contos Premiados" - Edição Especial - Junho de 2014