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Paulo de Sá
Salvador / BA

 

Victor

Victor! Exclamou a mãe assim que recebeu a confirmação de que estava grávida pela primeira vez. Já tinha dito a todos que se fosse menina, se chamaria Mercedes, e menino, Victor, em homenagem a Victor Hugo. Não o romancista francês, mas a grife brasileira de bolsas. Com uma expressão radiante, chamou o marido e disse:
Pode comprar as passagens. Você vai ser pai!
Ele não entendeu o que uma coisa tinha a ver com a outra, mas concentrou-se na informação principal. Seria pai, e essa era a melhor notícia que ele poderia receber. Após alguns segundos de euforia, perguntou de que passagens ela estava falando.
Se liga Gustavo. Miami. Comprar enxoval. Entendeu agora?
Ah, tá.
Amanda fazia questão de que o menino tivesse a infância que ela não teve, com direito a tudo do bom e do melhor, sem nenhuma privação. Ela e o marido tinham trabalhado duro para isso. Construíram um patrimônio com muito esforço e o filho seria a coroação de um planejamento de vida focado na conquista da estabilidade financeira e aumento do poder de compra. Enquanto esperavam pelo bebê, gastaram boa parte das suas economias com um verdadeiro arsenal de itens indispensáveis para qualquer recém-nascido de classe média-alta. Tudo de grife, afinal não era apenas mais um bebê que chegaria ao mundo. Era Victor, o filho deles.
No dia em que o menino nasceu o pai orgulhoso já o exibia pelo hospital com um macacacãozinho da Lacoste. Os amigos e parentes admiravam-se pelo vidro da ala dos recém-nascidos – como numa vitrine – e não poupavam elogios, apontando para o rebento que se destacava dos outros com seu visual extravagante. Em casa, a mãe cobria a babá de recomendações. Cuidado para não sujar essas luvinhas, custaram muito caro. Não deixe ele golfar nesse body Calvin Klein de jeito nenhum. Guarde tudo ali naquela bolsa da Tommy.
O primeiro passeio com bebê aconteceu aos quatro meses. Os pais estavam ansiosos para que o pequeno Victor começasse a descobrir o mundo, o mundo onde eles viviam. Amanda trouxe de Miami um carrinho de bebê que a vendedora garantiu ser “a Ferrari” dos carrinhos, e finalmente chegou a hora de fazer o test drive. Seria um dia muito especial. Enquanto a mãe escolhia a roupa do filho, o pai decidia para onde iriam. Parque não, o sol está muito quente. Calçadão também não, muita poluição. Vamos no shopping, sugeriu a mãe. De acordo.
Percorriam os corredores admirando a paisagem vitrinística e vez ou outra garimpando alguma oportunidade imperdível como uma promoção ou desconto. Misturavam-se ao fluxo acelerado de pessoas e tentavam inserir o bebê naquele universo de entusiasmo e excitação. Ao passar por uma agência de viagens, a mãe sugeriu entrar e ver os pacotes para a Disney, mas o pai trouxe-a de volta. Não pira, amor, ele só tem quatro meses. Depois de entrarem em algumas lojas de brinquedos seguiram para uma de artigos esportivos. Gustavo queria comprar uma bola para o filho, a primeira bola. Sonhava que ele fosse jogador de futebol.
Adidas, claro, disse o pai.
Ao noves meses, Victor emocionou a todos enquanto se esforçava para ensaiar os primeiros passos. Um momento para ficar na memória. A mãe o observava engatinhar quando ele segurou o braço do sofá e ergueu-se num movimento rápido e inconsequente. Estava de pé, sozinho. Amanda não podia se conter de alegria. Meu menino está andando! Já já vai estar correndo por aí. E foi direto para o quarto, eufórica, buscar um tênis Nike infantil que haviam comprado em Miami.
Aos doze meses a grande expectativa da família era ouvir a voz do bebê. Nesta idade, a maioria das crianças já balbuciava papa, mamã ou pelo menos um acanhado gugu-dada, mas Victor ainda não havia pronunciado nenhuma sílaba sequer. O primeiro aniversário dele caiu num domingo e a família resolveu organizar uma grande festa numa casa de eventos infantis da cidade. Prepararam os convites, escolheram a decoração, o buffet, as lembranças, tudo personalizado. Praticamente todos os amigos e parentes do casal estavam presentes, a maioria com suas crianças, claro. Olhavam para Victor e comentavam:
Nossa, que lindo, cresceu rápido, hein? Vem cá dar um beijo na tia!
Aproveitavam para apresentar seus filhos e proclamar seus grandes feitos, deixando Amanda constrangida sempre que o assunto era a fala.
A Bia já fala papai e mamãe, né filha?
Ontem o Peu olhou pro nosso cachorrinho e disse au au.
Acho que já tá na hora do parabéns, cortou Amanda.
Aos poucos, todos se reuniram em volta da mesa principal. Os pais e o aniversariante já estavam posicionados em frente ao bolo quando alguém apagou as luzes e um breve silêncio se fez enquanto Gustavo tentava acender a vela, até que uma voz pueril emergiu no escuro:
Gu.
Uma interrogação pairou no ar. O pai percebeu que poderia estar ouvindo a voz do filho pela primeira vez. Sentiu o isqueiro aceso queimar o polegar e, num reflexo, atirou-o ao chão. Gritou para que acendessem as luzes e encarou o garoto, sob os olhares curiosos da plateia.
Guuu..., repetiu o menino, prolongadamente, como se quisesse emendar uma segunda sílaba.
Acho que ele tá tentando dizer meu nome, insinuou o pai, com olhos marejados.
Guuu...
O pai não conseguia conter a emoção. Seu filho estava falando pela primeira vez, e prestes a pronunciar seu nome. A mãe já começava a sentir uma pontinha de inveja quando o menino surpreendeu todos:
Gucci!

   
Publicado no livro "Seleção de Contos Premiados" - Edição Especial - Junho de 2014