Romilton
Batista de Oliveira
Itabuna / BA
Ele
nos ensinou a pensar
Vou lhes contar uma história que está
ainda dentro de mim, mas com vontade de sair e ir para o papel
como algo que me inquieta, diante de sua máquina computadorizada.
Sinto neste momento saudades de minha escrivaninha, de minha máquina
de datilografar, dos textos que eu escrevia no papel com lápis
ou caneta. Sinto falta da experiência, da meditação,
da tradição, dos bons costumes, da ruptura, da renovação.
Esta história sem dúvida faz parte de minha autobiografia
ou da biografia do caro leitor que está lendo este texto
agora comigo.
Eu e o caro leitor gostaríamos de escolher o nome do personagem
desta história. Então, vamos chamá-lo de
João ou Maria ou o caro nobre nome do leitor que compartilha
comigo esta história. Eu, você, ele, ela, ou Maria,
José, João, etc, estávamos em pleno ano de
1980. Era uma tarde de chuva maravilhosa. Estávamos na
escola quando víamos o nosso professor, o mais querido
de todos, ser chamado à direção. Nem imaginávamos
o que aconteceria. Ele foi expulso. Motivo: dava aulas fora do
padrão estabelecido pela escola. Mas como um professor
que era a nossa cara e que nos havia dito tantas coisas importantes
haveria de ser demitido? Tentamos fazer um abaixo-assinado, mas
foi inútil. Faltava algo para explodir as estruturas que
dominavam aquele período. Creio que caso o professor continuasse,
nós aprenderíamos a fórmula na qual poderíamos
quebrar as manobras deste cruel sistema. Mas algo muito importante
ele nos ensinou que jamais será esquecido. A história
tem o momento certo de ser ela mesma a sua própria escrita,
mas somos nós que a escrevemos.
Eu, você, Maria, José, João e tantos outros
que a minha memória guarda com saudosa lembrança
resolvemos nos reunir na casa de um de nossos companheiros. Tínhamos
em torno de 15, 17 a 18 anos. Cada um conversou com seus pais
e resolvemos fazer um grande protesto. E que protesto! Nós
não sabíamos que estávamos dando o primeiro
passo para a mudança. A mudança só vem com
a participação, mas a participação
tem que ser inteligente e organizada.
Depois de vários protestos, o nosso professor foi contratado
novamente, e passamos a ter aulas de vida, cidadania e libertação.
Depois de alguns anos, a escola passou a ser reconhecida por sua
coragem de educar, sua polissêmica forma de ser. Tornou-se
uma escola muito procurada. Mas, novamente o professor é
afastado. Motivo: ensinar consciência coletiva, potencialidade
do ser e mudança por vontade.
Novamente estávamos reunidos numa assembleia para discutirmos
como fazer para que o nosso professor seja recontratado e volte
a nos dar aulas. Desta vez procuramos os jornais, todos os meios
de comunicação. Fizemos um grande barulho. Estávamos
bastante munidos de informação que o nosso grande
mestre havia nos ensinado. A luta é árdua, mas a
vitória só alcança quem sabe esperar. Os
nossos sonhos são realizados quando lutamos fortemente
por nossos ideais. E foi assim que vencemos. Vencemos a lei. Vencemos
o poder. Vencemos o governo. Vencemos a nós mesmos. Incansavelmente.
Insistentemente. Persistentemente. Corajosamente. Com corajosas
mentes, mentes brilhantes, mentes potentes. Foi assim que o professor
nos ensinou: Nós somos a máquina que faz o mundo
rodar. Nós somos a máquina que faz o mundo girar.
Se o mundo não muda, é por que não queremos
que ele mude, mas se assim o quisermos, ele mudará.
O professor voltou a ensinar, e depois de alguns anos, ele teve
que nos abandonar pra seguir o seu caminho, deixando-nos lições
que jamais o tempo apagará. E cada um de nós guardará
consigo uma pequena amostra de sua potência. Tornamo-nos
potentes homens e mulheres, corajosos, conscientes, libertos de
nossos medos. Confiantes em nossas formações ideológicas,
prontos para seguir a grande viagem que é a vida. Ele não
era um simples professor nem um capacitado educador. Ele era um
grande amigo que transformou as nossas pequenas vidas em grandes
vidas. Ele não nos deu aula sobre a vida. Ele nos apresentou
a vida. Ele não nos mostrou o caminho. Ele construiu o
caminho. Ele não nos deu formas prontas. Ele nos ensinou
a fazê-las. Ele foi simplesmente especial porque nos fez
ver a vida com um novo olhar, um olhar não mais centralizador
e homogêneo, mas um olhar descentralizado das nossas velhas
e falsas harmonias, um olhar que quebra com as velhas e eternas
estruturas que dominam o mundo e faz dos homens escravos de suas
montadas “arquiteturas”. Ele, finalmente, ensinou-nos
a pensar. E todas as vezes que ouço a seguinte canção,
eu renovo as minhas forças, relembrando daquela época
que marcaram as nossas vidas, da época em que o professor
era um lugar de transformação, um exemplo a ser
seguido. Hoje ainda há poucos mestres como nosso ilustríssimo
e amado professor Oiciruam, inesquecível Oiciruam:
“Amigo é coisa para se guardar
Debaixo de sete chaves
Dentro do coração
Assim falava a canção que na América ouvi
Mas quem cantava chorou
Ao ver o seu amigo partir
Mas quem ficou, no pensamento voou
Com seu canto que o outro lembrou
E quem voou, no pensamento ficou
Com a lembrança que o outro cantou
Amigo é coisa para se guardar
No lado esquerdo do peito
Mesmo que o tempo e a distância digam "não"
Mesmo esquecendo a canção
O que importa é ouvir
A voz que vem do coração
Pois seja o que vier, venha o que vier
Qualquer dia, amigo, eu volto
A te encontrar
Qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar” (Milton Nascimento).
(Homenagem ao professor doutor Maurício Matos, professor
da Universidade Federal da Bahia – UFBA, pertencente ao
programa de pós-graduação em Cultura e Sociedade)
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